PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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domingo, novembro 23, 2008

CARTAS DO ORIENTE (3)

Chagas Freitas

O Líbano é de uma importância singular no contexto da história dos povos. Quando estudamos ou estudávamos História, líamos a respeito dos três portos mais importantes dos fenícios, Byblos, Sidon e Tiro (respectivamente, em árabe, Jbeil, Saida e Sour), de onde os gênios inventores da navegação, iniciaram as suas conquistas marítimas e comerciais. Pois é, todos eles estão e sempre estiveram no Líbano. O território que os liga nunca foi dividido, apesar das inúmeras ocupações pelas quais passou a Terra do Cedro. Para tentar entender melhor o Líbano, alguns tópicos devem ser mencionados.

O Líbano tem 18 comunidades religiosas, que não se misturam. Tem 40 jornais diários, 42 universidades, mais de 100 bancos – por favor, não confundam, bancos e não simplesmente agências bancárias, 70% dos seus estudantes estão em universidades particulares, possui a maior população cristã dentre os países muçulmanos, as palavras Libano e Cedro aparecem 75 vezes no antigo testamento, Beirute foi destruída e reconstruída 9 vezes (por isso é considerada a fênix, entre as cidades).

Além do mais, 16 nações ocuparam o país. Byblos é considerada uma das cidades mais antigas do mundo, isto é, habitada de forma continuada, a outra é Damasco. É o único país da região que não possui deserto, é banhado por 15 rios, todos com nascente nas montanhas; é o único país não dirigido de forma ditatorial no mundo árabe; Jesus fez o seu primeiro milagre (a transformação da água em vinho), a primeira escola jurídica do mundo foi construída no centro de Beirute etc.

Diante desses fatos, aqui tudo funciona numa dinâmica peculiar. Um dos primeiros impactos para o visitante é o trânsito. Pelo que já vi, creio que até o mais versátil motorista no caótico trânsito indiano, teria muitas dificuldades de adaptação nas ruas, principalmente, em Beirute. É uma loucura. Mas, funciona. Tem pouquíssimos acidentes e no dia em que colocarem sinaleiros nos cruzamentos, certamente, ninguém se entenderá, aí, sim, a coisa vai pegar.

O país, e, principalmente, Beirute, sua capital, em nada difere do dia-a-dia das grandes cidades. O comércio oferece tudo o que se pode comprar em Paris, Nova Iorque, Londres, Roma etc. No tocante à moda, todas as grandes marcas são ostentivamente representadas. Tem hotéis excelentes. A frota de carro é moderna e não raro depara-se até com ferraris circulando nas apertadas ruas do centro da cidade.

Após a guerra entre Israel e o Hezbollah em 2006, o Líbano vem se recuperando e apresentando forte crescimento econômico e isso não passa despercebido. Nos últimos dias importantes missões européias visitaram o país, dentre elas, o chanceler inglês e no momento, o primeiro-ministro francês e vários ministros de estado se encontram em Beirute.

Com toda essa badalação, muita gente se faz presente no antigo berço dos fenícios. Aliás, os libaneses asseguram que não são árabes e sim, fenícios. E o nosso Brasil não poderia ficar fora nesse contexto. Creio, inclusive, que nós, os tupiniquins, levamos vantagens sobre os demais. Primeiro nunca ocupamos país nenhum, muito pelo contrário, somos o país que os libaneses adotaram como sua segunda pátria. No Vale do Bekaa existem cidades onde mais de 90% dos seus habitantes falam português. Muitas lojas são pintadas em verde e amarelo e dizem que em época de copa do mundo, muitas bandeiras brasileiras tomam conta dos tetos residenciais. Nessa região, falou português, vem logo alguém puxar um “lero”.

E dessa forma a presença brasileira é muito significativa. Os nossos astros se apresentam com grande freqüência por essas bandas. Gilberto Gil e Tânia Maria já fizeram shows em Baalbeck, a mais importante ruína romana e onde outros astros internacionais, como Elton John, já se apresentaram.

Esta semana está tendo um festival gastronômico brasileiro "Sabores do Brasil", no luxuoso hotel Pheonicia. A abertura na noite de terça-feira foi coroada com a presença maciça da sociedade libanesa, com direito a caipirinha e até sobremesa com mousse de cupuaçu. E para coroar, não podia deixar de ter a nossa boa música, com muito samba no pé, bossa nova, e até frevo, comandados pelo músico brasileiro Marcelo Godoy (www.myspace.com/marcelogodoy). É muito legal, confiram!

Mas, somos um povo enjoado, como dizemos lá no Norte, o Brasil ainda se fará representar, nos dias 28,29 e 30, com a Cia. de Dança Orpheline, no Teatro Tayouneh, em Beirute. Haja fôlego!

quinta-feira, novembro 20, 2008

FÉ, O MALUCO BELEZA

Conheci o Fé-em-deus no jornal Folha do Acre pela metade dos anos 80. Era o meu primeiro emprego como repórter e nada melhor do que ter como professor, o mestre Fé, sempre sorridente e bem humorado com os amigos e os inimigos também. Não havia tempo ruim para o veterano jornalista criador da Associação dos Jornalistas do Acre (Aja). Tive o privilégio de trabalhar com o Fé em outras oportunidades, mas naquela época era especial, e o time de repórteres do Folha era show de bola.

Como nossa amizade ultrapassava duas décadas, sempre que nos encontrávamos era motivo de festa que acabava no boteco mais próximo enxugando geladas. Ele contava empolgado suas novas idéias e sonhos para uma vida melhor. Não tinha medo do trabalho e adorava encarar novos desafios. E, se o desafio fosse para escrever, ele pulava de cabeça, seja qual fosse o trabalho. Gostava de Raul Seixas e se achava uma metamorfose ambulante, um maluco beleza, mudando, criando e recriando peças de vida.

Depois que o Folha do Acre foi explodido nos encontramos no jornal O Aquiry, dos jornalistas Elzo Rodrigues e Hugo Conde (os dois já falecidos). À época, o Estado era administrado pela governadora Iolanda Lima, inimiga dos jornalistas que trabalhavam no Folha. A ordem dela foi direta: se no Aquiry tivesse alguém do Folha suspenderia os repasses mensais de publicidade. O resultado para nós foi o olho da rua.

Não demorou muito tempo voltamos a nos encontrar na TV Acre, afiliada da Rede Globo de Televisão e no jornal O Rio Branco. Na TV fui o responsável pela primeira e única greve deflagrada naquela emissora. Nós trabalhávamos no quadro jornalístico Amazônia em Revista. Quando fui demitido o Fé foi conversar com o Emílio Assmar e também foi colocado na rua na mesma hora. Depois de quase uma semana de paralisação, todos os funcionários foram readmitidos, menos eu, por determinação do chefe maior da Rede Amazônica de Televisão, Philipe Daou.

O tempo passou. Em 1990 nos encontramos novamente para colocar a TV União no Ar. Desvirginamos a TV Bandeirantes no Acre com um jornal ao vivo no final de tarde. O Fé era o editor-chefe. Após quase um ano fazendo editoria de política, o Fé foi embora e eu assumir a editoria. Foi nessa época que passamos mais tempo juntos e fizemos boas reportagens também. Um dia ele chegou com um Fiat 147 que comprara e que se transformou na alegria da família. Um detalhe: de tão velho não tinha a tampa do combustível, além de goteiras no teto do ferro-velho. Mas era a sua alegria para buscar os “neguinhos” dele na escola, e ir para casa ao volante do possante.

Quando soube da notícia de sua morte sentir uma tristeza muito grande no peito. O Fé não tinha manias de grandeza, de superioridade, era uma pessoa simples, de um coração enorme que sempre ajudava alguém com necessidade. Só em conversar com ele, escutando suas peripécias, olhando sua atuação como grande ator da vida, o camarada melhorava de suas dores, fossem elas quais fossem. Era um grande menino brincalhão que nunca se importou com bobagens ou pouca miséria. Se divertia com as próprias dificuldades que passava.

São muitas as histórias do grande Fé. Todos os amigos sabem pelos uma delas. Eu, por exemplo, sei de uma coleção de excelente humor. Vai uma. Certa vez o Fé chega à redação resmungando feito “bode na chuva”, dizendo que seus óculos estava voando. Ele havia comprado uma semana antes. Era daqueles redondinho estilo Ghandi. Sem entender perguntei como isso era possível. Ele respondeu: ao chegar em casa ontem, o Pedro (filho mais novo) quebrou meus óculos e fez cerol para passar em linha de pepeta (pipa), por isso estava voando.

Fé foi um exemplo de humildade, honestidade e caráter. Foi ao encontro de Deus, onde estão outros bambas do jornalismo acreano como Estevão Bimbi, Campos Pereira, Elzo Rodrigues, Everaldo Maia, Hugo Conde, Maia Coelho, Zé Leite, Dadinho, Luis dos Santos, Afonso Marcílio e tantos outros. Como a vida é uma passagem, resta a dizer até logo.

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quarta-feira, novembro 19, 2008

CARTA ABERTA AO COMANDANTE MILITAR DA AMAZONIA

*Samuel Saraiva

Não conheço pessoalmente o Gen. Heleno, o que não me impede de louvá-lo, por sua intransigente postura, sem considerações políticas oportunistas e genuflexas aos interesses transnacionais, que usam o tema indígena para subtrair à nossa soberania as áreas que reservamos aos índios, uma manobra solerte; que nos tratam com humilhante postura de superioridade e nos consideram incapazes de gerir nosso Patrimônio natural com responsabilidade, em consonância com o ponto de vista global de que todos estamos no mesmo barco, de sorte que nosso destino se interliga ao dos demais povos, ao das demais formas de vida deste Planeta como bem frisou o cacique americano Seattle, em sua famosa carta ao Presidente dos EE.UU em 1856, considerada a mais bela declaração de amor à Natureza, cujo último parágrafo diz:

"Assim como somos parte da terra, vocês também são parte da terra. Esta terra é preciosa para nós, também é preciosa para vocês. Uma coisa sabemos: existe apenas um Deus. Nenhum homem, vermelho ou branco, pode viver à parte. Afinal, somos todos irmãos."

Ser irmão implica igualdade, respeito à soberania de cada um na geopolítica, ao patrimônio e às conquistas de um povo. Todas as nações americanas, de norte a sul, se construíram sobre território ocupado por ameríndios, em maior ou menor grau, de que o México, a Guatemala, o Peru/Bolívia são exemplos. Portanto, não nos venham com esse conto de que esbulhamos os nativos. Mais fracos, estes foram submetidos e no processo nasceram os Estados modernos, dos quais eles fazem parte, devem fazer parte, sob uma legislação comum, com os mesmos direitos. Esse negócio de que ÍNDIO PODE TUDO, nada se lhes proíbe, deve acabar de vez.

Com a chegada dos portugueses, acontecia o que a história nos ensina desde os primórdios: os conquistados ou absorvem o conquistador ou são por ele absorvidos. Como a civilização portuguesa era superior e aqui não havia um país, apenas tribos que se digladiavam e se canibalizavam, os índios foram absorvidos ou pereceram pelas leis naturais, que não toleram fraqueza. Se existe a força do direito, mais eficaz é o direito da força. No processo, sumiam índios e escravos negros para nascer o Brasil mestiço, com oportunidades iguais. Se não devemos gerar cidadãos de segunda classe, tampouco devemos aceitar privilégios, cotas raciais ou qualquer outra. O que deve haver é, simplesmente, oportunidades iguais, só isso.

De fato é imoral e inadmissível que não se possa viajar de Manaus a RR livremente, pois não se permite cruzar depois das 18 horas a reserva Waimiri-Atroari que a BR-174 atravessa, a menos que se trate de estrangeiro. O brasileiro pode viajar à noite na Venezuela e em outros países sul-americanos, mas não pode transitar numa estrada deserta que liga duas capitais, porque é "Território Indígena".

Ora, isso é uma afronta a nossa soberania, além de que prepara terreno para tornar essas "reservas" em protetorados sob a tutela da ONU, sob o argumento de que se trata de um povo com língua própria, num território ocupado por apenas uma etnia, de fato um câncer no corpo do Brasil. Isso não se pode tolerar sob pretexto algum. É crime de lesa pátria, perpetrado por políticos e sob o monitoramento e inspiração de funestas ONGs. Tão pouco devemos cometer a covardia de abandonar os índios para que se defendam com tacapes diante de mercenários e suas armas sofisticadas de guerra.

Hoje eles não conseguem defender-se muito menos conter as diferentes formas de incursões perpetradas por contrabandistas, espiões madeireiros e estrangeiros que invadem o Brasil para roubar e saquear nossas riquezas naturais incentivados pelo isolamento secular absurdo da vasta fronteira amazônica. Apenas o EB se tem manifestado corajosamente sobre essa aberração, de sorte que é preciso engajar toda a sociedade brasileira contra tal estado de coisas. Façamos um movimento nesse sentido, com muita fanfarra, do contrário nossa reação virá muito tarde.

A reserva contínua Raposa do Sol é um absurdo. Mais ainda porque se situa na fronteira Norte do País. Num período em que o MST invade impunemente, ao arrepio da lei, terras cercadas e produtivas, sob pretextos diversos, até com o auxílio de criminosos de outros países, me parece estúpido esperar que imensas áreas sejam ocupadas com exclusividade por meia dúzia de gatos pingados, só porque estavam aqui antes. Respeitemos os índios e seus direitos minoritários, mas não se pretenda congelá-los na Idade da Pedra. A lei é a ascensão da vida e do intelecto.

Esse Ministro-Relator do STF que considera a Reserva Raposa do Sol um direito anterior à Constituição e por isso o território deve ser devolvido, deveria pegar sua mochila e embarcar numa caravela de volta à Europa. À mama África se for o ministro Joaquim Barbosa. Em suma, nenhum deles deve ficar no Brasil, vez que não há índios, embora haja gente lá com sangue indígena --- a miscigenação é grande no Norte do País, todos sabem --- na composição do Supremo Tribunal Federal.

Concordo em gênero, número e grau com a linha de pensamento do Gen. Heleno. Entretanto, creio que diante do descaso e da incompetência também do atual Governo em lidar com temas de natureza estrutural com a devida urgência, com visão de nossos interesses de longo prazo e com consciência do maquiavelismo internacional que nos cobiça a Amazônia, creio fazer-se necessária a ARTICULAÇÃO DE MOVIMENTO NACIONALISTA que discuta a necessidade, e também como fazer, de um plano eficaz de ocupação de nossa faixa de fronteira, cuja extensão nos deixa vulneráveis a toda sorte de lesão ao nosso patrimônio e aos nossos interesses maiores, que inclui a SOBERANIA.

A fraternidade de que falou o Cacique Seattle não pode admitir hegemonia de quem quer que seja sobre nós no concerto de nações. Nenhum povo abre mão de seu território sem luta. A fraternidade não quer dizer que devamos abdicar de nossa soberania sobre nosso território, cuja conquista tanto nos custou, como foi o caso do Acre, soberania cuja integridade foi defendida com o sangue valente de nossos soldados, nas lutas internas e nas externas, da qual a Guerra do Paraguai foi a maior no Brasil Império.

O Barão do Rio Branco, ao negociar a questão acreana no célebre conflito com a Bolívia, arrimou-se no princípio do "Uti possidetis, uti possideatis" (como possuís, continuareis a possuir), ou, simplificando: QUEM OCUPA É DONO.

É sabido, especialmente pelas FFAA, que o Acre estava em região que cabia à Bolívia, herdeira da Espanha. Mas quem ocupou e desbravou aquele Território foram os brasileiros, que rejeitaram a cidadania boliviana. A ocupação se fez sem auxílio do governo central, embora a defesa da posse tenha recebido apoio diversos, especialmente do Amazonas.

Daí a importância de ocupação por brasileiros da faixa de fronteira com os diversos países sul-americanos, inclusive os que não são de língua latina. A Venezuela tem pendência com a República Cooperativa da Guiana, ainda não resolvida. Do jeito que se arma, é possível que tente apossar-se da área que seu país reclama e nos envolva no conflito. A ausência de habitantes brasileiros naquele vazio geográfico poderá criar-nos problemas, sem dúvida.

A primeira ação em defesa de nossos interesses implicaria a REVISÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS de não edificação firmados pelo Brasil. Igualmente, excluir de qualquer reserva indígena uma faixa de fronteira secundária, onde a União tivesse jurisdição plena; onde não haveria índio com os privilégios de que hoje gozam; onde não se tivesse de pedir consentimento a ninguém. Tratar as reservas indígenas como territórios autônomos, onde nem os poderes do Estado podem entrar sem prévia autorização tribal é um ERRO.

É necessário, ao amparo do marco específico de que trata o parag. 2º do Art 20 da CF, definir a nova legislação sobre a Faixa de Fronteira, de modo que se possa definir e estimular o adensamento populacional de forma planejada nessa área sensível, com a presença constante das FF armadas e de outros órgãos do Estado principalmente a Policia Federal.

No final do Governo FHC se criou o Parque Nacional Montanha do Tumucumaque, de três milhões de ha, com quase 700 km de fronteira com a Guiana Francesa, numa área inacessível e onde não há nem IBAMA nem ninguém para vigiar o patrimônio ou fazer presente nossa soberania. Que faríamos se num cenário possível, a Venezuela do bolivariano Hugo Chávez com seu arsenal de fabricação russa aliada a Bolívia do Morales e ao Equador decidissem ocupar militarmente parte da Amazônia brasileira atacando simultaneamente pelo norte e pelo sul? Teríamos equipamentos e homens suficientes para repelir a invasão? Ou iria prevalecer o dito popular que “brasileiro só fecha a porta depois de roubado”? Essa realidade ameaçadora precisa ser resolvida. Não se trata de pedir favores pois as autoridades são pagas para exercerem com honestidade e competência o dever constitucional.

É uma exigência da nacionalidade, uma demanda legítima e seu atendimento inadiável. Ou resolvem ou devem ter a dignidade de deixarem seus postos para que cidadãos responsáveis, imbuídos de verdadeiro sentimento pátrio encontrem soluções.

O mesmo se passa na Serra do Divisor, no Acre, onde os moradores da Serra do Moa, ponto de pesquisa de petróleo na década de 1940, foram expulsos do local, um verdadeiro contra senso, deixando a área à mercê da incursão de peruanos, que nos roubam mogno, aqui de comercialização proibida. Em Rondônia, o rio Pacaás-Novos, onde houve muitos seringais, também está com o acesso bloqueado a partir do local chamado de "Poção", uns poucos quilômetros perto da foz, de sorte que um empreendimento turístico existente no encontro de suas águas com o Mamoré não pode levar seus hóspedes, europeus ou brasileiros, em expedições de observação da fauna, coisa que os bolivianos fazem livremente. Por isso, a empresa leva os visitantes, inclusive os estrangeiros, para a Bolívia. Um absurdo, esse exagero de Reserva Indígena.

Se houver estrutura de escoamento, apoio, a própria iniciativa privada se encarrega do assentamento das famílias na Faixa de Fronteira, como ocorreu em Rondônia ao longo da BR-364, onde hoje florescem importantes cidades com a cultura sulista. A cidade mais antiga de RO, depois de Porto Velho, Guajará-Mirim, está bem à margem direita do rio Mamoré e tem, no lado oposto a cidade de Guayaramerin, boliviana, com a qual se integra muito bem.

Tabatinga, separada da colombiana Letícia apenas por uma rua, e onde o EB se faz presente, é outro exemplo de sucesso. Nenhuma dessas cidades foi construída com dinheiro público. A presença de brasileiros residentes ali é de suma importância.

Tenho convicção de que as agrovilas que propus em meu projeto seriam importante apoio estratégico à missão das FFAA de resguardar e garantir nossas fronteiras. A presença das FFAA e a instalação de postos do EB em reservas indígenas, autorizada pelo presidente Lula em julho último, é importante, mas por si só não basta. Os EE.UU, com todo seu arsenal e poderio, não conseguem controlar eficazmente sua fronteira com o México, nada obstante os recursos empregados, seja em termos de imigração, seja no que diz respeito ao narcotráfico.

É estúpido o conflito agrário no interior e no Nordeste brasileiros, quando a fronteira necessita de ocupação que valide o "Uti possidetis" que nos valeu o Acre, depois da sua conquista pelas armas nas mãos de civis nordestinos, o citado princípio de direito defendido pelo grande Barão que deu nome à Capital acreana.

Depois da frustração de meu esforço, foram anos de trabalho e muita pesquisa vendo meu projeto ser arquivado à míngua de interesse de caciques do tipo senador Suassuna, emigrei para os EE.UU, onde me encontro atualmente, mas sem deixar de interessar-me por meu berço natal, sempre acompanhando e tentando contribuir de alguma forma com a sociedade onde me criei, preocupado com seu destino,à seu futuro, pois continuarei fazer parte dela.

Como filho de ex-combatente da FEB, que serviu sob a liderança do saudoso Gen. Castelo Branco, meu acendrado amor ao Brasil me encoraja a enviar-lhe esta peça, na firme convicção de que terá seu escrutínio e que, talvez, lhe possa servir de encorajamento no seu projeto de defender o Brasil contra a ganância de quem quer que seja, para salvaguarda de nossa soberania, sabendo que não está só em sua jornada.

*Samuel Saraiva é membro da National Association of Hispanic Journalists em Washington DC.
Tel: 0021-1-301-906-6322 - P.O.Box 12033 - Silver Spring, MD - 20908 - Washington DC Area – USA-
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segunda-feira, novembro 17, 2008

CARTAS DO ORIENTE (2)

Chagas Freitas

O Líbano é realmente um país singular. Deixaremos Beirute para iniciar um giro pelo país, visitar suas praias, suas montanhas, seus sítios arqueológicos e suas vilas. O interessante é que da capital, pode-se chegar a qualquer uma de suas fronteiras em menos de três horas de carro, em estradas, muitas delas, exigindo toda atenção e perícia do motorista, mas, que, comumente, proporcionam uma bela vista entre as montanhas e o azul do Mediterrâneo, que a nossa diminuta visão chega a confundir o mar e o céu.

No meu primeiro fim de semana, o meu chefe, gentilmente, convidou-me para visitar Tyre (Sour, em árabe), que se situa a 83 km de distância ao sul de Beirute. Apesar de ser época do Ramadã, período em que os muçulmanos jejuam durante o dia, a praia em Tyre tinha bastante gente, em trajes ocidentais e alguns deles até degustavam umas geladinhas, já que ninguém é de ferro. A areia branca, fina e a água temperada do Mediterrâneo eram a redenção para quem acabara de chegar de Brasília. De quebra, surgiram até umas ciganas oferecendo para ler a mão.

Lamentavelmente, durante a guerra de 2006, os israelenses bombardearam todas as pontes do país. Muitas delas se encontram ainda em reconstrução, o que compromete a trafegabilidade e a segurança nas estradas.

Tyre é a quarta maior cidade libanesa. Sua história é rica. Foi um importante centro comercial fenício. Foi lá que surgiu a cor púrpura, - de valor excessivo -, a coqueluche dos nobres abastados e a preferida de Cleópatra.Como quase tudo aqui é história, no século VI a.C, Nabucodonosor, o rei da Babilônia, viveu na cidade durante 13 anos. Mais tarde, Alexandre, o Grande, tentou invadi-la, lutou durante sete meses e foi derrotado. Os cristãos chegaram a Tyre e a cidade é mencionada diversas vezes no Novo Testamento.

Suas fortalezas e fortificações são o testemunho de um passado de glória, de poder político e financeiro. Todos os impérios quiseram conquistá-la. Os Cruzados travaram muitas batalhas e só conseguiram dominá-la em 1124, mas os Mamelucos os expulsaram em 1291. Os Otomanos a dominaram no século XVI. Em 1980 a UNESCO deu-lhe o título de Patrimônio Histórico da Humanidade.

Todos os povos deixaram o testemunho de sua passagem em Tyre, mas dentre eles, o império romano foi o mais significativo, com suas elegantes colunas de mármore à beira mar, com que dando boas vindas e ao mesmo tempo, mostrando imponência e poder. Daquela época ainda restam o magnífico Arco do Triunfo, resquícios das famosas termas romanas e do hipódromo. Simplesmente, um lugar inesquecível.

No final da tarde continuamos a viagem mais para ao sul, até a fronteira com Israel, cheia de controle, cerca de arame farpado, carros militares fazendo inspeção e, de vez em quando, ouvia-se o barulho de aviões que a tudo registram. Apesar de ser quase o por do sol, a paisagem verde da agricultura (sobretudo, plantação de banana) e o azul anil do Mediterrâneo. Esse cenário levou-me de volta ao passado, aos meus tempos de ex-RDA, do fatídico Muro de Berlim, onde vivi sete anos.

Deixando a fronteira Líbano-Israel depara-se com a beleza das montanhas, de muitas vilas, dos castelos e vinhedos, já que a uva é cultivada em todo lugar; em cercas, sobre o teto das casas, em pomares, uma verdadeira maravilha.

Na minha segunda viagem ao sul, entre Tyre e a fronteira israelense, visitei Qana, a Canaã bíblica, onde Jesus fez o milagre da transformação. Lá resiste aos séculos a gruta, onde o Deus filho esteve com alguns de seus apóstolos e um pouco mais afastado, ainda no mesmo vilarejo, o local de onde foi recolhido o vinho.

É um lugar extremamente rochoso, onde apenas uma modesta bilheteria existe para cobrar ingresso dos poucos que lá aparecem, já que fica em uma zona de difícil acesso e controlada pelo Hezbollah – que em árabe significa partido de Deus.

Não poderia deixar de mencionar Sidon (Saída, em árabe), conforme a Bíblia fundada por um neto de Noé, a 48 km de Beirute, e o lugar preferido de Jesus, quando descia das montanhas para descansar no litoral e também fugir da perseguição dos saduceus e fariseus.

Foi em Sidon que ele curou a filha de uma cananéia (Mateus 15,21/Marcos 7/24). Por Sidon, também passaram Maria, Santo Elias e alguns apóstolos como Paulo. Por isso é considerada uma Terra Santa.

Existe uma capela encravada numa gruta, onde Maria ficava aguardando Jesus de seus encontros com pescadores e apóstolos. Nesse local são rezadas missas diariamente e as mães de todas as nacionalidades fazem preces por seus filhos. É, realmente, um lugar peculiar, de muita paz e espiritualidade.

A origem de Sidon data de 4.000 anos a.C. Foi ocupada por gregos, romanos, árabes, cruzados e mamelucos. 14 séculos a.C., já possuía um florescente comércio e próspera economia. Portanto uma das mais proeminentes dentre as cidades fenícias.

Contra a invasão persa, os próprios habitantes de Sidon, colocaram fogo na cidade, matando mais de 40 mil pessoas. Mas foi durante o império romano que Sidon alcançou o apogeu econômico e de desenvolvimento.

Sidon é, também, famosa pela fabricação de vidro transparente, desde o primeiro século de nossa era, de sua faculdade de direito. Foi capital do Líbano após o terremoto de 551, que destruiu Beirute. Da época dos Cruzados restam as ruínas do Castelo do Mar, de 1228. Em 1840 essas imponentes ruínas foram quase que totalmente destruídas pelo bombardeio da frota austro-britânica. Hoje é um importante centro de comércio.

quarta-feira, novembro 12, 2008

CARTAS DO ORIENTE (1)

Chagas Freitas

Já estou há quase dois meses em Beirute. Antes da chegada era grande a expectativa em relação a Beirute, ao Líbano e sua gente. Na realidade, tudo devido as notícias que se tem do país no exterior. Felizmente a realidade é bem outra, muito diferente do que se possa imaginar. Os libaneses são pessoas receptivas, atenciosas, educadas e o mais surpreendente, falam muitas línguas, o que facilita a vida daqueles que têm a felicidade de aqui chegarem.


O desembarque no aeroporto já dá a primeira boa impressão: é moderno, muito limpo e as pessoas que aguardam a chegada de um ente querido, ou amigo, têm o semblante alegre, portam flores, numa atmosfera aconchegante e típica de uma sociedade ligada à família.

Naturalmente, que nem tudo são flores, já que entre o aeroporto e o centro de Beirute situa-se uma área controlada pelo Hezbollah, seriamente atacada por Israel, em 2006, cujas marcas são e permanecerão indeléveis ao mais relapso de espectador.

Mas logo, logo se chega ao Centre Ville, bem moderno, que parece pertencer a um outro mundo (depois relatarei sobre os encantos dessa parte especial da cidade).

Repentinamente, chega-se ao moderno, inteiro, rico, com pessoas na moda, belos carros, lindos cafés, restaurantes para todos os bolsos etc.

Mas para que vem do Acre, o impacto e a familiaridade são de uma intensidade ímpar, já que muitos nomes nos são familiares e nós lá da nossa Amazônia temos a certeza de que conhecemos muitas dessas famílias, separadas pelo destino. São os Farhat, os Khouri, os Feghali etc. etc. Beirute é uma cidade bonita e gostosa de se viver.

Aos poucos a familiaridade com os locais acontece naturalmente e quando eles descobrem que se é brasileiro, aumenta ainda mais a simpatia, já que a grande maioria da população tem laços com o Brasil, com quase 9 milhões de descendentes libaneses. Vale ressaltar que existem ao todo cerca de 13 milhões de libaneses fora do Líbano. No país vivem cerca de 4 milhões de habitantes, sendo 1,5 milhão em Beirute. Portanto, pode-se dizer que o Brasil é a maior nação libanesa do Planeta.

Apesar da diminuta extensão territorial de um pouco mais de 10 mil km2, (aproximadamente do tamanho do estado de Sergipe), o Líbano é grande na sua história. É, também, cercado por belas montanhas, praias, florestas de cedro, a árvore símbolo na bandeira do país.

É registrado na Bíblia. Jesus Cristo andou por vários lugares, dentre eles, Canaã, dos milagres da transformação. Alexandre, o Grande, esteve aqui. Foi importante no Império Romano. Possui importantes sítios arqueológicos e suas montanhas cobertas de neve no inverno formam uma linda poesia de contrastes com o tom azulado das águas do Mediterrâneo que banha toda a sua costa oeste. É como um presente dos deuses, já que foi o berço dos fenícios, mestres dos mares. Por aqui passaram muitas outras civilizações.

O Líbano, apesar de montanhoso, possui um produto escasso nessa parte do Planeta: a água, que é exportada para os seus vizinhos do Oriente Médio. E pra não deixar de lado, a tradição de exímios comerciantes libaneses, todas as transações comerciais, inclusive táxi, podem ser realizadas na moeda do país, a libra libanesa ou em dólar norte-americano. Provavelmente, seja o país onde se encontram mais caixas eletrônicos disponíveis 24 horas, para saques em várias moedas e sem qualquer esquema de segurança.

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quinta-feira, novembro 06, 2008

DEMITIDO ESPIÃO ACREANO

O temido coronel da reserva do Exército Brasileiro Ruyter Duizit Colin, foi exonerado de suas funções na terça-feira, 4, pelo governador Binho Marques. Sobre Colin pesam denúncias de invasão de privacidade de desafetos políticos do ex-governador Jorge Viana e da Frente Popular. Boatos são de que centenas de telefones celulares estão grampeados, apesar do assunto ser categoricamente negado pela cúpula da segurança do Acre.

Considerado um homem extremamente misterioso e meticuloso, Colin fez parte da equipe do governador Binho durante quase dois anos. Ele foi nomeado gerente do departamento de inteligência do governo em 14 de março de 2007 através do decreto nº 279. Durante o segundo mandato da administração do petista Jorge Viana (2002-2006), comandou com mão de ferro o serviço de inteligência da Secretaria de Segurança do Governo do Acre.

Colin foi o responsável pela implementação do Guardião, serviço de escuta telefônica, para a polícia do estado. Segundo os registros de viagens do Ministério da Justiça, em 2006 ele foi pago pelo governo federal para viajar até o Ceará para conhecer o funcionamento do tal sistema de interceptação telefônica.

O Guardião, que custa em torno de R$ 700 mil, é um software com funções automáticas como a de monitorar qualquer outra linha que se conecte com o telefone inicialmente visado. Feita a conexão, a segunda linha passa a ser interceptada, antes mesmo que possa ser expedida uma autorização judicial para isso. O sistema permite ainda que as ligações gravadas sejam transferidas em tempo real para algum outro telefone, por exemplo, para o celular do delegado responsável pela investigação. Assim, ele pode ficar da sua casa acompanhando seus investigados.

A compra do equipamento de escuta é um dos vários itens do projeto de criação e estruturação do Departamento Integrado de Inteligência da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Acre. Os dados da transação estão expostos no Portal Transparência, da Controladoria-Geral da União (CGU). De acordo com o convênio, o dinheiro liberado pelo Ministério da Justiça também foi utilizado na aquisição equipamentos e materiais de filmagens, observação e fotografia, de comunicação, de informática, mobília de escritório e viaturas.

A central de escuta, que funcionaria numa sala do prédio do antigo Banco do Estado do Acre (Banacre), em Rio Branco, foi adquirida com a finalidade de ajudar no combate ao narcotráfico e ao crime organizado. Mas denúncias dão conta que o equipamento estaria sendo utilizado para espionagem política de adversários do PT acreano.

Advogados, jornalistas, políticos teriam sido alvo de grampo ilegal por meio dessa central por seus mentores. O equipamento seria de tecnologia israelense. Seu software teria capacidade de grampear 3 mil linhas telefônicas simultaneamente. O equipamento é capaz de escutar, redirecionar, gravar e armazenar conversações por meio de telefonia fixa ou móvel.

A Polícia Federal possui 28 aparelhos semelhantes ao Guardião. Já as polícias civis estaduais em todo o país têm outros 60. Atualmente, cerca de 20 mil escutas estão em andamento — cinco mil comandadas pela PF e 15 mil, pela Polícia Civil.

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terça-feira, novembro 04, 2008

DOS BARÕES AO EXTERMÍNIO

Sociólogo afirma que a violência e o crime organizado tornaram-se grandes negócios, inclusive para o Estado

Francisco Dandão

Se existe alguém neste país capaz de discorrer durante horas sobre violência e organização de grupos de extermínio, principalmente daqueles que agem na Baixada Fluminense, esse alguém se chama José Cláudio Souza Alves, 46, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Sua tese de doutorado, defendida em 1998, foi exatamente sobre esse tema. Com o título “Dos Barões ao Extermínio – Uma História da Violência na Baixada Fluminense”, logo virou livro, imprescindível para o cidadão que anseie entender a origem da violência que tomou de assalto o Rio de Janeiro (principalmente, mas não apenas), nos últimos anos.
De passagem por Rio Branco, para participar da I Semana de Extensão da Universidade Federal do Acre, onde falou sobre Extensão Universitária, Políticas Públicas e Ações Afirmativas, o professor José Cláudio não se esquivou de responder algumas perguntas sobre o assunto, ao mesmo tempo instigante e perigoso, que ele pesquisa há quinze anos.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Eu gostaria que você falasse, inicialmente, sobre a sua tese de doutorado... Sobre como é que surgiu a idéia de fazer um trabalho dessa natureza.

José Cláudio - Eu tinha uma militância já de algum tempo na Baixada Fluminense. Eu tenho uma trajetória de vida que me levou à Baixada. Eu sou de Vigário Geral, que é um bairro também muito violento. E quando eu fui para a USP, o meu projeto não era estudar a Baixada, mas sim a questão da esquerda no Rio de Janeiro. Na época, entretanto, caiu em minhas mãos um livro que me marcou muito, de um autor chamado Mike Davis, um dublê de urbanista e caminhoneiro. Esse cara tem um livro chamado “Cidade de Quartzo”, que faz um retrato da cidade de Los Angeles, a partir da forma como o poder foi se organizando no local, ao mesmo tempo em que mostra como esse poder se consolida, através de várias estratégias. E foi aí que eu pensei em fazer alguma coisa semelhante com relação à Baixada Fluminense, um local onde se registram os mais altos índices de violência do mundo: são cerca de 80 homicídios anuais para cada cem mil habitantes. Ou seja, um padrão superior a qualquer região onde exista uma guerra. A ONU classifica 50 assassinatos por cem mil habitantes como situação de guerra. Foi a partir dessas constatações que eu pensei que não era possível chegar a um padrão de violência desse patamar se não fosse por conta de algum tipo de construção. E aí, então, ficou muito forte dentro de mim o desejo de proceder a uma investigação acadêmica para compreender melhor o fenômeno. Essa seqüência de fatores é que culminaram na tese.

E no que diz respeito aos riscos que você correu para realizar a pesquisa... Fale um pouco sobre isso.

José Cláudio - A pesquisa traz riscos naturais, por conta de você estar no campo procurando informações. No meu caso, eu fiz muito trabalho em arquivos de jornais e peguei também o precioso arquivo de um bispo, já falecido, D. Adriano Hipólito, que era um homem corajoso, um homem que chegou a denunciar o Esquadrão da Morte. Por conta das denúncias dele, aliás, ele foi seqüestrado, pintado de vermelho e solto despido numa vila militar. Seqüestro que ele atribuía aos próprios militares. Mas ele nunca silenciou e, ao contrário, criou um vasto arquivo com matérias de jornais, o que foi primordial para o meu trabalho. Eu entrevistei o Hélio Luz, que foi titular da Delegacia de Homicídios da Baixada... Entrevistei também a Tânia Maria Salles Moreira, que foi a promotora que levou à condenação vários líderes de grupos de extermínio... Mas eu nunca sofri ameaças. É certo que as pessoas com quem eu tive contato demonstravam sempre muito medo do que poderia acontecer a mim e a minha família... Mas, o que eu penso é que o meu trabalho, apesar de levantar questões para a compreensão e o esclarecimento da situação da violência, principalmente na Baixada Fluminense, acaba não incomodando a eles. O controle deles sobre a população e muito grande, eles tem a máquina de recursos públicos e a maioria hoje nem é mais formada por matadores, agora todos tem outras trajetórias. Talvez eu corresse algum risco só se eu fosse testemunha de acusação de algum dos crimes praticados por alguém desses grupos. Por enquanto eu ainda não sofri nenhum tipo de ameaça.

O sociólogo Francisco de Oliveira, um dos membros da banca avaliadora, quando da defesa da sua tese, fez algumas críticas ao seu trabalho. Eu gostaria que você comentasse a pertinência ou o eventual despropósito dessas críticas.

José Cláudio - As críticas foram muito pertinentes. Francisco de Oliveira me coloca dentro de uma tradição teórica da sociologia. Ele percebe a originalidade do meu trabalho, percebe a idéia de uma lógica que vem, principalmente, de Karl Marx, cujo pressuposto é o de que o Estado é constituído essencialmente a partir da violência. Eu não fujo disso. Eu vou buscar a fonte da constituição desse Estado, desse poder, calcado na violência. O que ele, de fato, percebe são algumas impaciências da minha parte, no trato dessa temática. Por exemplo, no momento em que trato do Brizolismo como muito rigor e com muita dureza, Francisco de Oliveira diz que não se pode pedir comportamento muito diverso de quem está no poder, levando em conta a essência da constituição do Estado. O próprio Estado é o crime. Todos os que estão presos ou a maioria dos que são assassinados pertencem à ponta de baixo do iceberg. Não é possível, de fato, chegar ao topo da pirâmide, chegar naqueles que, realmente, controlam o crime. A violência e o crime organizado se tornaram grandes negócios, inclusive para o Estado. A crítica maior do avaliador foi a de que muitas vezes eu não demonstro tolerância com as ações de pessoas ou de grupos que detém ou fazem parte do sistema de poder. Críticas absolutamente pertinentes.

No seu entender, é possível ainda uma sociedade brasileira harmoniosa ou isso não passa de uma utopia de poetas românticos?

José Cláudio - O que mantém a gente vivo nesse mundo é acreditar que ainda é possível transformar essa realidade. É possível sim, mas eu creio que o trabalho de construção dessa sociedade harmoniosa é muito difícil e lento. Eu acho que vai demorar muito para a gente conseguir estruturar outro tipo de sociedade. A lógica de uma revolução, de uma mudança pelas bases, de uma mudança radical das classes que dominam esse país ainda está muito longe de acontecer. Nós não temos hoje uma conjuntura ou uma junção de fatos que nos levem a uma revolução. Hoje, o partido que eu ajudei a criar e ao qual eu dediquei vinte anos da minha vida, que é o Partido dos Trabalhadores, desde que o Governo Lula assumiu o poder, perdeu essa possibilidade transformadora. Ele se associou justamente a esses grupos políticos que dominam o país. Ele estabelece uma lógica de clientela, como é o caso da Bolsa-Família. Ele estabelece políticas compensatórias, clientelas assistencialistas, de um lado, e do outro lado ele mantém a lucratividade dos maiores setores econômicos desse país. O PT se vinculou a grupos políticos diretamente envolvidos com a violência, com o controle político desse país. O PT se associou a banqueiros e grupos econômicos que hoje ganham dez vezes o que é gasto com a Bolsa-Família, para atender 36 milhões de brasileiros. Dez vezes mais o que é gasto com esse programa é dado de lucratividade a banqueiros. Se houve aumento de empregos, foi por conta da grande fluidez do mercado mundial. Mercado esse que agora se encontra em plena crise. Por conta disso, o próprio governo já começa a falar em cortes dos programas sociais. É uma falácia, então, você manter uma estrutura de política social calcada num mercado que é altamente vulnerável. Então, o que eu percebo é que não temos hoje uma estrutura revolucionária. O Estado, que poderia ser um agente de consolidação de uma classe econômica desfavorecida, através de políticas sociais mais sólidas, simplesmente não o faz.

O repórter Carlos Dorneles deu o seguinte título a um dos seus livros: Deus é Inocente. A imprensa, não. No que se refere à violência no Brasil, quanto de culpa se pode creditar à mídia?

José Cláudio - Eu acho que a mídia trabalha numa dupla lógica: uma lógica de mercado e uma lógica de patrocínio. A lógica de mercado, com respeito a quem consome a matéria, qual o grupo social para o qual estou produzindo as minhas informações, qual o interesse desse grupo social, o que eu digo pra ele... É nesse sentido que existe essa mídia que perpetua o discurso das classes perigosas, dos grupos violentos, que perpetua a lógica da execução sumária como prática de segurança do Estado. A violência é um excelente produto para essa mídia, porque tem um público ávido em consumi-lo. As matérias são muito direcionadas para esse fim, para a espetacularização da informação, sendo que no final das contas o público acaba sabendo muito pouco do fato. Você vê esse caso da Eloá e do Lindemberg: é quase uma crônica de uma morte anunciada. A espetacularização de um drama, sem nenhum aprofundamento do caso. No fim das contas, o público não sabe nada de quem são aqueles personagens. A mídia praticamente apenas radiofonizou uma ação no momento presente. A mídia não faz o discurso do aprofundamento, da educação, da qualificação da informação. A mídia é quase uma vendedora imediata de um produto também imediato e vendável, que é a violência em tempo real. Por outro lado, essa mídia vive o segundo elemento, que é o seu patrocinador, que são os grupos políticos e econômicos que querem perpetuar as suas imagens. Isso tudo é muito lamentável!

Dostoievski teria alguma possibilidade de sucesso se vivesse no Brasil do século XXI e tentasse publicar uma versão pós-moderna de Crime e Castigo?

José Cláudio - Crime e castigo... Quem são os criminosos e quem são os castigáveis nesse país? Nunca se chegará aos grandes empresários, grandes comerciantes e grandes banqueiros que financiam as grandes partidas de cocaína, assim como não se chegará àqueles que fazem tráfico de armas pesadas nesse país. Por que é que entra um “caveirão” blindado numa favela? A alegação é porque lá existem armas de grosso calibre. Essa justificativa é só para os governos subirem e matarem dezenas de pessoas a cada semana. Só que quando eles resgatam essas armas, dias depois essas mesmas armas estão de volta nas mãos dos traficantes. O problema é que quem vende essas armas para os traficantes é a própria polícia. Então, crime e castigo é exatamente o que nós temos nesse país. Só que são duas lógicas separadas: os criminosos vão muito bem, obrigado, perpetuados na sua ação assassina e na sua política genocida; e, do outro lado, aqueles que são os executáveis. O castigo recai exatamente sobre as vítimas desse sistema. Alguns autores que se debruçaram sobre esse tema da violência dizem que é uma espécie de profecia autocumprida. Ao tempo em que você lê a profecia, ela vai se cumprir porque você passa a fazer parte dela. No Brasil é exatamente essa a contradição que temos por aí.

Em se tratando de violência, meu caro José Cláudio, é possível se afirmar que Deus e o diabo andam de mãos dadas, em perfeita sincronia, na terra do sol?

José Cláudio - Deus e o diabo são associados. É claro que se tem que ver quem é esse deus e quem é esse diabo. Na literatura alemã existe um livro belíssimo do Franz Neum, chamado Behemot, que é a história do nazismo. Esse Behemot é um deus que se alimentava de sacrifícios humanos. Eu acho que no Brasil o Behemot é o Estado, a classe dominante... Esse é o deus que é cultuado aqui, sem nós sabermos. Ele se alimenta de sacrifícios humanos. Milhares de pessoas são sacrificadas nesse país, executadas sumariamente aos pés desse deus. O diabo nada mais é do que o seu irmão gêmeo, siamês, que está também perpetuando o mal, através da sua lógica mais perversa, a lógica da separação. Não tem coisa pior nesse país do que essa prática da violência, que separa o povo todo, de fora a fora, de cabo a rabo: separa os pobres dos pobres, separa os pobres trabalhadores dos pobres depois chamados de bandidos, separa a classe média das classes populares, separa a elite do que ela quer separar também... É tudo extremamente fragmentado. O Partido dos Trabalhadores, nesse sentido, deveria ser um partido que unificasse todos esses segmentos, mas, ao contrário, ele acaba sendo mais um fragmento que bebe dessa água. O diabo, então, é a separação do país. Se deus é Behemot, que se alimenta da carne dos pobres, o diabo é a entidade que está fragmentando cada um desses grupos sociais e que impede qualquer manifestação conjunta que possa derrubar toda essa estrutura de poder.

Por último, dado todo o seu conhecimento sobre essa questão da violência no nosso país, eu gostaria que você respondesse se ainda é possível amar o Brasil ou se nós temos que deixá-lo o mais rápido possível...

José Cláudio - Há algum tempo eu comecei a desenvolver uma síndrome. Nenhum médico descobria, exatamente, o que era que eu tinha. Até que um dia foi descoberto que o meu mal estava ligado à depressão. Tudo por conta de que, ao longo do tempo, todas as denúncias que eu fazia no livro se configuravam vãs. Ao contrário de terminar, toda a estrutura das mazelas que eu denunciei se fortalecia. Então, como eu era uma pessoa que esperava que o Brasil mudasse, fui percebendo que as minhas alternativas eram cada vez menores. Eu fui definhando e achei que já não havia mais sentido viver aqui nesse país. Chegou um momento em que eu perdi o sentido de caminhar entre os humanos. Eu estava querendo viver uma outra realidade. Porém, graças a Deus, eu hoje curei essa doença. E eu penso que comecei a me curar quando eu comecei a prestar atenção em pessoas totalmente arrebentadas pelo sistema brasileiro, mas que eu podia ver que dentro delas ainda restava muito de alegria e esperança. Dá pra perceber que essa gente consegue construir algo, e que apesar de a gente não saber como, o certo é que eles constroem esse algo. Penso que foi isso que eu consegui perceber: uma dimensão subjetiva, espiritual, da qual eu comecei a me alimentar também. Eu poderia dizer que construí a minha possibilidade de sobrevivência dessa esperança que vem da população mais pobre, vitimizada e vilipendiada pelo Estado brasileiro. Então, mesmo que não seja possível amar, pelo menos se pode permanecer, sim, nesse país. “A escuridão me ilumina, hoje eu sou poeta”. Isso é Manoel de Barros. Agora falando eu mesmo: a sujeira me limpa nesse país.

FOTOS PITTER LUCENA