PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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sexta-feira, fevereiro 23, 2007

BANHO DE SANGUE EM CONFLITO AGRÁRIO NA FRONTEIRA DO ACRE

Um banho de sangue está próximo de ser derramado no seringal Nova Esperança, uma área de fronteira entre os estados do Acre, Amazonas e Rondônia. Na terça-feira, 20, o trabalhador rural Carlos Roberto Passos foi alvejado com seis tiros dentro da casa onde mora na Vila Nova Califórnia. Passos, um dos líderes dos sem-terra, continua em estado grave no pronto pocorro de Rio Branco, capital do Acre. O conflito de terra envolve cerca de 800 famílias e o latifundiário Atanazio Chinaid, que afirma ser o proprietário da área.

A área onde estão acampadas as famílias de trabalhadores rurais sem-terra e posseiros fica a uma distância de aproximadamente 190 quilômetros de Rio Branco e a 390 quilômetros de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, e completamente isolada de Manaus, capital do Estado do Amazonas. O centro urbano mais próximo é o Distrito de Nova Califórnia/RO, com uma população aproximada de 15 mil habitantes e uma segurança pública que conta com, no máximo, oito policiais militares, dos quais apenas três têm residência fixa naquela localidade.

A área em questão totaliza 37 mil hectares de terras que foram arrecadadas pelo Incra em razão de nenhum dos supostos proprietários da área ter documentação legal que estabeleça legitimidade ou título de posse nessas terras que pertencem portanto, à união. Nela vivem cerca de 800 famílias, concentradas na parte que fica após a ponte do rio Remansinho, em razão de que, de acordo com denúncias dos posseiros e pequenos agricultores, jagunços e pistoleiros a serviço de Atanazio Chinaid impedem que as famílias de trabalhadores rurais ocupem a parte anterior a essa ponte.

Conforme relato dos trabalhadores rurais e sem-terras que estão acampados na área em conflito, em 2005 funcionários do Incra em parceria com agentes da Polícia Federal estiveram na região e serraram a porteira que os “homens do Atanazio” tinham fixado na referida ponte, para impedir a passagem das famílias que por ali transitam dia e noite. À época, o próprio superintendente do Incra afirmou que o fazendeiro não “tinha nem um palmo de terra” naquela gleba e que, portanto, “não poderia impedir a passagem de quem quer que fosse”.

No início de fevereiro uma comitiva acreana se deslocou para a área, como forma de averiguar denúncias de atentados contra os direitos humanos e a vida de centenas de famílias. Além da comitiva, estavam presentes a líder dos trabalhadores rurais da região, Rosa Sem-Terra e diversos posseiros que foram sendo encontrados ao longo do ramal, passando a fazer uma nova série de denúncias dando conta que tiveram seus “barracos” derrubados e queimados e estavam sendo vítimas de despejo numa violenta ação da Polícia Militar que acompanhava o oficial de justiça Pedro Cunha, responsável por fazer cumprir uma “Liminar de Reintegração de Posse”, assinada pela juíza Kathlenn dos Santos Gomes, da Comarca de Lábrea, no Estado do Amazonas.

Meia hora antes de chegar à sede da fazenda, que funcionava como uma espécie de Quartel General da PM/AM, a comitiva encontrou o Capitão Guimarães, que comandava o destacamento militar na área. Para surpresa de todos, o capitão estava no carro de um engenheiro florestal de nome Flávio, que trabalha na área e, segundo suas próprias informações, é arrendatário de uma área de terra de 20 mil hectares pertencentes a Atanázio Chinaid. Pelo que foi possível perceber o engenheiro florestal não somente acompanhava pessoalmente a ação de despejo, como oferecia total colaboração na logística aos militares e oficial de justiça.

Após pararem na estrada, o capitão Guimarães permaneceu pelo menos 20 minutos no interior do veículo do fazendeiro, uma caminhonete Mitsubishi, placa NCK 8506, de Porto Velho. Após solicitação da líder dos sem-terra, o capitão desceu para explicar aos presentes o que estava acontecendo. Visivelmente constrangido e incomodado com a presença da imprensa e dos parlamentares, o mesmo afirmou que estava no carro do engenheiro porque a viatura da PM “estava quebrada”, o que se verificou, posteriormente, não ser verdade.

Indagado pela líder dos trabalhadores rurais e sem-terras sobre se tinha conhecimento das ordens do Comando da Polícia Militar do Amazonas, no sentido de que a presença da PM naquela localidade tinha a finalidade, exclusivamente, de manter a ordem e proteção às famílias e não para executar “mandado judicial de reintegração de posse” sem ordens expressas do Governador do Amazonas, o mesmo respondeu que estava se dirigindo a Nova Califórnia para fazer contato com o Coronel Wilson Martins e obter tais informações. Fato este que, pelo visto, também, não ocorreu pois o mesmo retornou poucos minutos depois à sede da fazenda, onde já se encontrava a comitiva, conversando com o sargento e o oficial de justiça.

Percebendo a chegada da comitiva, os policiais rapidamente se “compuseram”, colocando as armas na cintura e os coletes à prova de bala, enquanto o sargento saia do interior do escritório na companhia de Pedro Cunha (oficial de justiça) e de um homem que, segundo os posseiros, se chama José Camorcin.

“Pegue a metralhadora”, foram as primeiras palavras do sargento, dirigindo-se a um de seus comandados. Em seguida, demonstrando todo seu despreparo e desequilíbrio emocional, passou a dizer que “vocês não tem nada que vir se intrometer aqui no Amazonas. Respeitem a terra dos outros”. Ao ser interpelado pelo Presidente da CUT, o Sargento argumentou com os punhos cerrados e voz enfurecida “desde que inventaram a CUT, começou essa história de invasão de terras alheias e vocês são o culpado de tudo isso...”

Por sua vez o Oficial de Justiça afirmou que estava “apenas cumprindo com uma ordem judicial e que qualquer contestação tinha que ser feita nos autos do processo que tramita na justiça de Lábrea”. Ao ser questionado se sabia algo sobre a queima de barracos, falou que, de fato, “queimaram, mas foram apenas uns dois ou três...” Sobre o fato de se encontrarem na sede da fazenda, seguindo a mesma posição do sargento da PM/AM, o mesmo enfatizou que “estavam lá porque o proprietário daquela localidade era o autor do processo” que culminou com a expedição da liminar em questão.

As afirmativas dos representantes do latifundiário, do Capitão e do Sargento da PM/AM, bem como do Oficial de Justiça, insistindo que toda a operação realizada naquela localidade tinha se pautado pela respeito às leis e às pessoas que ali residem, foram negadas pelas famílias de posseiros que tiveram seus barracos e pertences queimados, sendo que em um desses barracos os policiais chegaram a empunhar armas e a fazer disparos para os pés da esposa de um posseiro. As falas dos posseiros foram sendo comprovadas na proporção em que a comitiva continuou entrando no ramal e verificando in loco as atitudes do representante da justiça e dos policiais que tinham a incumbência de “garantir a segurança” às famílias contra qualquer tipo de agressão a mando dos fazendeiros.

As impressionantes cenas de mulheres, crianças e homens se deslocando com seus pertences às costas em direção ao acampamento dos posseiros, abandonando seus barracos com os poucos objetos e roupas que possuíam em cinzas, evidencia não somente a ação truculenta da PM/AM, comandada pelo capitão Guimarães e seu sargento, mas também o desrespeito aos mínimos direitos dessas pessoas. A “queima de barracos” se constitui em uma atitude criminosa impetrada pelo Oficial de Justiça, Pedro Cunha, e pelos policiais militares que agiram em consonância com os interesses dos fazendeiros, em especial de Atanazio. Segundo testemunhas e denúncia da líder dos posseiros e sem-terras, “desde a hora em que os policiais chegaram a Nova Califórnia, passaram a ser assediados por representantes dos fazendeiros que ficaram até altas horas no Hotel Cascavel”, onde estavam hospedados, evidenciando uma forte possibilidade de suborno, como tem ocorrido nos últimos anos.

Durante a permanência da Comitiva acreana na área do conflito foi possível perceber a mais completa ausência do Estado no que diz respeito aos mínimos direitos de cidadania para as centenas de famílias que vivem naquela localidade. Mulheres, homens e crianças esperam que o Incra se posicione para intermediar a questão, principalmente porque, para muitos, essa espera é de dez anos. Há pouco mais de um ano, quando uma equipe do Instituto Nacional de Reforma Agrária esteve na região, ficou claro para todos que aquelas terras, ao serem arrecadadas, pertenciam exclusivamente à União. Não foi por acaso que o Incra e a Polícia Federal serraram a porteira colocada na ponte do Remansinho por um dos fazendeiros que reivindica a posse de 20 mil hectares daquelas terras.

Tal fato estimulou os posseiros e sem-terras a permanecerem no local, ampliando os focos de tensão existentes, na medida em que, segundo relatos dos próprios trabalhadores rurais, o Incra se retirou e os deixou a mercê das arbitrariedades e violências cometidas contra essas famílias por fazendeiros e madeireiros, a ponto de serem assassinadas várias pessoas e lideranças que apoiavam a luta dos trabalhadores rurais pela permanência na terra.

BR-364 PODE VIRAR EUCLIDES DA CUNHA

O senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) apresentou dia 22 de fevereiro, projeto de lei que dá a denominação de Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, ao trecho acreano da rodovia BR-364, destacando a importância que teve o escritor na realização de vários trabalhos na região.

“Sua participação no devassamento da Amazônia Ocidental, como chefe da comissão mista Brasil-Peru, para o reconhecimento do curso do Alto Purus, quando das negociações do Tratado de Limites entre as duas Nações o despertou para o outro Brasil com que poucos, antes dele, tinham se preocupado”, destacou o senador em discurso no plenário.

Na justificativa do projeto, Geraldinho afirmou que as páginas que Euclides da Cunha escreveu sobre a Amazônia são as de um homem deslumbrado pela imensidão da natureza que tão precariamente têm-se conservado, ao mesmo tempo monumental e inebriante, mas igualmente frágil, quando vítima da depredação a que a cupidez humana e a ignorância conseguem depredá-la a pretexto de conservá-la.

Euclides da Cunha, segundo Mesquita Júnior, teve seu destino ligado ao futuro território e depois Estado do Acre. “Muito antes que alguém viesse a falar de uma trans-brasiliana ele imaginou ao longo da linha Cunha Gomes, hoje retificada, que marca o limite entre o Acre e o Amazonas, uma ferrovia que sua imaginação lembrou de chamar-se transacreana”, afirma.

“Era uma antevisão da rodovia iniciada e ainda não acabada, numa época em que ainda não se cogitava da Madeira-Mamoré, compromissos do Tratado de Petrópolis, como compensação à Bolívia pela troca de territórios que se operou com esse acordo”, acrescentou o senador acreano.

Na avaliação do senador, nada mais justo que como um tributo à sua memória e um reconhecimento a seu papel histórico de alertar o Brasil para o que representava a parte mais rica e opulenta de seu território então por desbravar, se dê à rodovia que corta o Acre ligando os municípios que se espalham ao longo do trecho que separa os vales do Acre e Juruá, o nome do brasileiro que a anteviu, que a imaginou e que a defendeu como essencial à ocupação e à defesa daquele inestimável patrimônio nacional.

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