PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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quarta-feira, setembro 30, 2009

FEIJOADA NA SENZALA

Muita gente boa tem certeza de que a feijoada, prato que se transformou em símbolo da culinária nacional, foi inventada pelos escravos. Nos intervalos do trabalho, eles aproveitavam restos de carne que os senhores desprezavam — orelhas, rabo e pés do porco, bem como a carne-seca — e os misturavam ao feijão, obtendo uma iguaria que só cairia no gosto de todos após o fim da escravidão.

Bela história, mas inverossímil. Estas partes salgadas do porco não eram consideradas “restos” pelos brasileiros que descendiam de europeus. Ao contrário, eram muito apreciadas, inclusive no Velho Mundo.

A alimentação dos escravos era composta basicamente por mandioca e milho. Carne, só em raríssimas ocasiões.

Anúncios em jornais brasileiros da primeira metade do século XIX – auge do escravismo no país – indicam que a “feijoada à brasileira” era apreciada em restaurantes freqüentados pela elite urbana, o que não ocorreria se o prato fosse identificado com escravos ou restos de alimento.

Por sinal, este tipo de comida — o feijão combinado a outros vegetais e carnes suína e bovina — desde a Antigüidade vinha sendo apreciado na Europa mediterrânea.

Os portugueses, ao introduzirem a tradição do cozido no país, substituíram o feijão-fradinho pelo feijão-preto (originário da América do Sul), muito mais saboroso na opinião de todos os estrangeiros que aqui chegavam. Foi assim que se criou a tão brasileira feijoada.

Revista de História da Biblioteca Nacional

sexta-feira, setembro 25, 2009

NÓS TEMOS BANANA?

Banana, laranja, manga, tudo picadinho e misturado e aí está: uma bela salada de frutas, tipicamente brasileira. Pensando bem... Apesar de hoje sermos conhecidos pela variedade de nossas frutas, é sempre bom lembrar que muitas delas têm DNA estrangeiro — são exóticas, como dizem os botânicos. A começar por um dos maiores símbolos pátrios, desde que enfeitou a cabeça de Carmem Miranda (que por sinal era portuguesa).

A origem da banana é uma verdadeira salada étnica. Ela nasceu nas selvas da Índia e da Indochina, foi introduzida pelos árabes nas Ilhas Canárias e “descoberta” pelos portugueses. Só então cruzou mares para chegar ao Brasil, no começo do século XVI. Aqui já existia uma espécie de banana, a pacova, mas não se compara: ela não podia ser comida crua.

O mesmo ocorreu com a manga. Originária da Índia, foi levadas às costas oriental e ocidental da África pelos portugueses, em suas viagens marítimas em busca de especiarias. Teve seu cultivo difundido para todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo, mas somente por volta da segunda metade do século XVIII é que o Brasil, ou melhor, a Bahia, recebeu as primeiras mudas de mangueiras indianas. E a laranja? Outra fruta asiática, encontrada pelos portugueses na China e de lá trazida para a Europa.

Deixemos de lado, então, a internacional salada de frutas, para tomar uma brasileiríssima água-de-coco, que abunda em todo nosso litoral... Fruta nacional? Também não. A Cocos nucifera chegou somente em 1553, a bordo de embarcações lusitanas provenientes das ilhas de Cabo Verde. Como as outras, tem origem longínqua: provavelmente o sudeste asiático (há controvérsias).

São exemplos de como os alimentos podem se adaptar bem a ambientes diferentes de sua terra de origem. Ou seja: pode comer sem culpa. Mas quando quiser optar por iguarias genuinamente nacionais, vá de açaí, cupuaçu, cajá, pequi ou caju.

Lorenzo Aldé
Revista de História da Biblioteca Nacional

sexta-feira, setembro 18, 2009

É A MAMÃE !!!

Eram dois irmãos. Um de 11 e outro de 12 anos. Estudavam juntos na mesma escola, iam e vinham juntos para casa. Estavam sempre grudados um no outro feitos carrapatos em couro de cachorro de rua, não se largavam nem feito a moléstia. Viviam em parceria para tudo. Brincavam e estudavam como todos meninos normais. Mas eles não eram tão normais assim.

Pela a questão da idade os hormônios explodiam por todos os cantos, imaginavam que seria algo possível a realização de alguma coisa diferente. Moravam numa pequena casa na área rural, próximo da cidade e, por isso, malinavam as meninas da zona urbana com dezenas de astúcias para verem suas calcinhas. Enquanto um conversava com uma menina, o outro com um pequeno espelho na ponta do sapato olhava os trajes mínimos dela, por baixo.

Oscar o mais velho, Inácio não precisa dizer. Os dois viviam com uma vontade doida de fazer uma doidera com uma mulher mas não sabiam como. Sexo para eles era um palavrão. Tudo era instinto e, como instinto, já haviam papado algumas galinhas, porcas e ovelhas da região, coisa de menino do sertão. Não podiam ver uma perna de mesa que ficavam ouriçados, uma imagem feminina era o suficiente para uma corrida ao mato mais próximo. Imaginação era tudo.

Voltando certa vez da escola, numa sexta-feira, andando pela estradinha que passa ao lado do igarapé, os dois viram uma mulher de costas lavando roupa vestida de calcinha e sutiã. Um olhou para outro e... pronto! Lá estava a bronha arrumada. Abaixaram os calções e tome de lá, tome de cá, tome lá, tome cá, e vai depenação de ganso, beirando na mente as mulheres que haviam visto na televisão e as coleguinhas do colégio.

Como de costume pensavam numa certa musiquinha: “Não é nela não é nela, mas é o mesmo que ser nela. É embaixo do umbigo e acima da canela”. Santa imaginação dos moleques. Nas mãos havia calos de tanto uso nas horas vagas e não vagas. Os dois lá atrás das moitas espiando a mulher lavando roupa e lepo, lepo, lepo.

Inácio, o mais novo, achou melhor andar mais um pouco para ver o material que estava tocaiando, já meio doido do juízo. Caminhou reto sempre com a coisa na mão, andou mais um pouco e teve uma surpresa. Paralisou, virou estátua, petrificou, ficou doido, voltou à si e viu a grande burrada que estava fazendo. O sacrilégio estava formado, seria mandado para o inferno naquele momento sem pedido de perdão. Não havia escapatória. Era o fim do mundo.

Com o mocotó batendo na bunda Inácio subiu o barranco do rio gritando repetidamente:

- Manim! Manim! Pelamordedeus tu já gozou?

Oscar com a mão na massa ao ser perturbado respondeu irritado: - Que é, porra?!

O desespero de Inácio foi maior:

- Manim! Manim! Não goza não pelamordedeus, é a mamãe! É a mamãe!!!

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quinta-feira, setembro 10, 2009

DEGUSTAÇÃO DE VINHO EM MINAS

- Hummm...

- Hummm...

- Eca!!!

- Eca?! Quem falou Eca?

- Fui eu, sô! O senhor num acha que esse vinho tá com um gostim estranho?

- Que é isso?! Ele lembra frutas secas adamascadas, com leve toque de trufas brancas, revelando um retrogosto persistente, mas sutil, que enevoa as papilas de lembranças tropicais atávicas...

- Putaquepariu sô! E o senhor cheirou isso tudo aí no copo?!

- Claro! Sou um enólogo laureado. E o senhor?

- Cebesta, eu não! Sou isso não senhor!! Mas que isso aqui tá me cheirando iguarzinho à minha egüinha Gertrudes depois da chuva, lá isso tá!

- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!

- O senhor me desculpe, mas eu vi o senhor sacudindo o copo e enfiando o narigão lá dentro. O senhor tá gripado, é?

- Não, meu amigo, são técnicas internacionais de degustação entende? Caso queira, posso ser seu mestre na arte enológica. O senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha, escolher a taça, deitar o vinho e, então...

- E intão moiá o biscoito, né? Tô fora, seu frutinha adamascada!

- O querido não entendeu. O que eu quero é introduzi-lo no...

- Mais num vai introduzi mais é nunca! Desafasta, coisa ruim!

- Calma! O senhor precisa conhecer nosso grupo de degustação. Hoje, por exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens...

- Hã-hã... Eu sabia que tinha francês nessa história lazarenta...

- O senhor poderia começar com um Beaujolais!

- Num beijo lê, nem beijo lá! Eu sô é home, safardana!

- Então, que tal um mais encorpado?

- Óia lá, ocê tá brincano com fogo...

- Ou, então, um suave fresco!

- Seu moço, tome tento, que a minha mão já tá coçando de vontade de meter um tapa na sua cara desavergonhada!

- Já sei: iniciemos com um brut, curto e duro. O senhor vai gostar!

- Num vô não, fio de um cão! Mas num vô, memo! Num é questão de tamanho e firmeza, não, seu fióte de brabuleta. Meu negócio é outro, qui inté rima com brabuleta...

- Então, vejamos, que tal um aveludado e escorregadio?

- E que tal a mão no pédovido, hein, seu fióte de Belzebu?

- Pra que esse nervosismo todo? Já sei, o senhor prefere um duro e macio, acertei?

- Eu é qui vô acertá um tapão nas suas venta, cão sarnento! Engulidô de rôia!

- Mole e redondo, com bouquet forte?

- Agora, ocê pulô o corguim! E é um... e é dois... e é treis! Num corre, não, fiodaputa! Vorta aqui que eu te arrebento, sua bicha fedorenta!...

Luiz Fernando Veríssimo

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