MERCADO VELHO, ONDE TUDO ACONTECIA

Poucos metros mais a frente já se sentia o cheiro saído das
panelas das inúmeras pensões que serviam comidas e dos botecos sempre cheios de
homens vazios. Era nesse mundo surreal que muitos se perdiam na vida pelo
alcoolismo, problemas amorosos, desemprego ou pura vadiagem mesmo. Naquele
antro boêmio, não havia discriminação, ideologia, pecados ou pecadores. Havia
sim, de tudo um pouco, alegria, sofrimento, sonhos e decepções. Mesmo cada um
no seu quadrado, tudo e todos se misturavam como numa pintura de Dali.
Sem preconceitos
Aos sábados o movimento aumentava quando profissionais
liberais como jornalistas, ribeirinhos, pescadores, caçadores e tantos outros
mentirosos, enchiam as pequenas pensões para comer um peixe frito, tomar uma
cerveja e olhar as águas barrentas do rio Acre descerem lentamente em curso
certo, num destino incerto rumo ao mar. Sem pressa para a vida, ficar ali
parado no tempo era o tempo necessário para a chegada do fim do dia.
Assim vivíamos nas tardes de sábados. Nesse pequeno mundo
não existia o senso do imediato, a ideia de dissolução, de irresponsabilidade,
de vícios, da embriaguez consciente, do ócio, de uma ressaca mal curada. Não
havia rótulos para indivíduos irresponsáveis ou pessoas sem regras ou
disciplina. A boa conversa se misturava com passeios imaginários de homens,
ratos, bêbados, mulheres de vida fácil, evangélicos e afins. Nada a declarar
naquele pequeno espaço de tempo, apenas sentir o cheiro da fumaça do tabaco ao
lado e a visão de sombras que passam para lugar nenhum.
Sexo animal
Num certo dia, ao observar o caminho do rio, um amigo
começou a sorrir desesperadamente ao ouvir o som de um violão apaixonado de um
boêmio que se sentara ao nosso lado. Achei legal pois na minha concepção o
sorriso é a curva mais bonita que alguém precisa ter. Pensei com meus botões de
que ele estaria sorrindo de felicidade, por não ter tantos problemas
corriqueiros. O mundo seria bem mais alegre se todos que o habitam fizessem a
mesmo, desse mais lugar para felicidade do que para a tristeza.
Mas para o meu espanto, meu amigo com os olhos arregalados,
apontava para uma pequena ilha de areia que se formara entre as duas pontes,
dizendo haver dois seres mágicos reluzentes fazendo amor em plena luz do dia.
Esmiucei o olhar e vi um casal de botos cor-de-rosa que praticava a dança do
acasalamento, uma imagem rara em pleno setembro. Extasiado com tanta beleza,
assisti de camarote, a natureza perpetuando a espécie. Depois, como um raio de
luz, se foram. Ficaram apenas as lembranças que, como o vento, vão e vem lentamente
com o mesmo frescor.
Bar da Loura
Além dos bares, botecos e pensões que haviam no Mercado
Velho, tinha um em especial: o bar da Loura, um inferninho que funcionava à luz
do dia, à beira do rio Acre, quase debaixo da ponte metálica. Era lá que funcionava
uma série de tipos de lazer: cerveja, sinuca e mulher; parque de diversão para
os ribeirinhos, colonos e pessoas do gênero. Como o bar tinha uma varanda para
o rio, servia de mirante para inocentes e incautos quanto à serventia do
estabelecimento.
No bar da Loura, principalmente nos fins de semana, a vida
era agitada. Com a vinda de ribeirinhos para vender seus produtos na cidade,
grande parte deles, ia comprar com o dinheiro arrecadado, outras coisas como o
prazer, na casa do amor. Uma vista para o rio, duas sinucas e um quartinho ao
lado do banheiro para a satisfação de alguém do sexo masculino, era tudo para
quem estava numa seca braba.
As moçoilas se alegravam com a casa cheia e desfilavam entre
os presentes de shortinhos apertados, oferecendo sorrisos e convites para uma
gelada. Estava lançada a sorte para a rapaziada com a “coisa” na cabeça. Por 20
paus era possível ficar até uma hora no rala e rola no cubículo ao lado do
banheiro. Um dia, durante uma friagem, um camarada com pena de uma das meninas,
deixou pago a molhada do biscoito mas nunca voltou lá. O Jorge Viana reformou o
espaço e tudo acabou.
Novo Mercado Velho
O antigo Mercado Municipal, mais conhecido como Mercado
Velho foi construído no final da década de 20, na gestão do Governador do
Território, Hugo Carneiro. Sua construção foi um marco na história da
urbanização de Rio Branco por ter sido a primeira grande construção em
alvenaria da cidade. Passou por uma obra de revitalização que resgatou a
importância do espaço e levou a população a visitá-lo com mais frequência. No
prédio do Novo Mercado Velho, os antigos comerciantes, muitos com quarenta anos
de atuação no local, foram mantidos em suas vendas, bares, lojinhas de ervas e
produtos religiosos. No local também funcionam pensões, lanchonetes, cafés e
lojas de artesanato.