CARTAS DO ORIENTE (6) - de Paris
Chagas Freitas
Esta é a última Carta sobre o Líbano, pois quando ela for colocada na web, eu estarei sobrevoando o Atlântico de volta à minha família e ao Brasil.
As semanas que passei no Líbano foram de surpresas agradáveis. E não poderia deixar de relatar mais alguns lugares que tive a sorte de conhecer.
Novamente na montanha, dessa vez em Harissa, um dos maiores locais de peregrinação cristã no Oriente Médio que abriga o monumento dedicado a Maria, a padroeira do Líbano e cuja devoção é também aceita no islamismo. A idéia de construí-lo foi do Papa Pio IX, em 1854. De Harissa tem uma linda vista da baia de Jounieh respaldada pela cor anil do mediterrâneo. Dentre os vários monumentos que o circundam, existe uma interessante igreja na forma de barco fenício e árvore de cedro, o símbolo do país, com capacidade para milhares de fiéis.
Agora, uma gruta. A Jeíta que é considerada uma das mais belas do mundo e que os libaneses, não sem razão, fazem árdua campanha para que ela seja incluída no rol das maravilhas do mundo. É, realmente, indescritível. Coisa quase sobrenatural! É revestida em estalagmite e estalactite e o governo cuidadosamente preparou umas pontes suspensas para o trajeto dos turistas na parte superior. Na inferior, só de barco, numa extensão de mais de 600 metros. É tudo espetacular!
As autoridades ambientais zelam tanto por sua preservação que já na entrada tem o aviso: “proibido fotografar” e eles levam tão a sério que até celulares ficam retidos pela segurança.
Após esse passeio, nos cafés das redondezas, as pessoas fumam narguilé, uma mistura de tabaco com ervas, antigo hábito dos mais velhos, mas hoje a coqueluche entre a juventude.
Em contraste às cenas alegres dos cafés, pela primeira vez, vi tanta mulher usando a burka, no Líbano, a vestimenta negra muçulmana que cobre a mulher da cabeça aos pés, deixando apenas um orifício à altura dos olhos, mas tem umas mais radicais ainda que nem isso tem, e sim, uma telinha ou um véu bem fininho. Coisas que aguçam a nossa curiosidade, já que no ocidente só vemos essas cenas pela tv.
Convém ressaltar na vida camponesa libanesa os homens, principalmente, os que se ocupam da agricultura usam um chapeuzinho que vem da época dos egípcios. O que é muito natural, uma vez que o Líbano foi ocupado por 18 povos diferentes e muitos deles deixaram seus costumes e suas tradições num país com aproximadamente quatro milhões de habitantes, distribuídos em um território um pouco maior do que o estado de Sergipe. Esses muitos contrastes são mais que normais, para eles, libaneses.
Mais uma montanha, a derradeira desse nosso périplo libanês. Chegamos a um palácio das 1001 Noites, o Beit Eddine, próximo a Beirute, localizado entre árvores frutíferas, oliveiras e parreiras. Sua construção durou 30 anos e contou com os melhores arquitetos sírios de Damasco, Alepo e até italianos. Isso era só para quem tinha muito dinheiro e poder, o que não era problema para o Emir Backir II.
O Emir tinha o hábito de receber todos, mesmo que não soubesse origem ou nome do hóspede. Mas tinha uma regra: todos só podiam permanecer por três dias. E para atender os que o procuravam, faziam-se necessários muitos, muitos aposentos. Hoje alguns transformados em museus, outros destinados à residência de verão do presidente da república e outros à visitação pública.
Tinha também belos jardins onde o emir passeava com suas esposas sem serem vistas por ninguém. Tem até o túmulo da primeira delas, Sitt Chams.
No entanto, não poderia partir sem falar de algumas pessoas especiais que conheci na Terra do Cedro.
São tantos os brasileiros-libaneses ou libaneses-brasileiros que fica difícil enumerá-los. Me perdoem os não mencionados, mas o editor briga por espaço e não o tenho para incluir a todos.
Apenas vou destacar os habitantes de Sultan Yaculb, onde mais de 90% da população fala português e lá vive a família Barakat, cujo pai libanês, naturalizado brasileiro, viveu muitos anos no interior de São Paulo. Chegou a ser subprefeito de Rio Grande em São Bernardo do Campo, fez fortuna nos negócios, mas devido à falta de segurança no nosso país e as ameaças de seqüestro, resolveu fazer o caminho de volta.
Em Sultan Yaculb montou uma indústria de madeira e fabricação de móveis, que em poucos anos, tornara-se o mais importante empresário desse setor na região do vale do Bekaa.
Só que em 2006 aconteceu a guerra de Israel contra o Hezbollah e o destino havia guardado as suas surpresas. Numa manhã, o senhor Dib Barakat, encontrava-se na sede de sua indústria com alguns caminhões à porta. Vale ressaltar que qualquer veículo de porte grande não podia transitar. Os israelenses suspeitavam o transporte de foguetes pelo Hezbollah. Quem furasse a regra era destruído pelos mísseis da terra de Davi.
Os caminhões do senhor Barakat estavam parados. Mas, o exército de Israel não titubeou disparou um míssel contra o prédio da indústria com mais de 150 metros de comprimentos, dois andares, fazendo desaparecer até as máquinas, deixando uma cratera com mais de 15 metros de profundidade. O corpo despedaçado do senhor Barakat fora encontrado, em meio ao pouco que sobrou por seu filho brasileiro Najib, que hoje vive tentando reerguer o que fora o projeto de vida de seu pai.
Mas a tragédia continua. No dia do enterro do sr. Barakat, os aviões com pilotos automáticos israelenses sobrevoaram e metralharam que estava no cemitério. Alguns tiverem que pular na sepultura aberta para poder escapar. Mas, o nosso Najib vai levando a vida, cheia de sonhos, projetos e conquistando passo a passo a antiga clientela, refazendo o que pode ao lado de sua esposa, três filhos e a viúva, sua mãe, todos brasileiros.
Na Cidade de Sultan Yaculb só quem não fala português é o prefeito, o único que não teve de ser retirado da cidade durante a guerra de 2006, pelo cônsul do Brasil, Michael Gepp, que desfruta de grande prestígio, gratidão e admiração daquele povo, pois foi ele quem teve a coragem de seguir sempre à frente dos comboios que transportaram os nossos brasileiros do Bekka até a fronteira da Síria, onde, naturalmente, estavam todos seguros e muitos deles retornaram ao Brasil. Mas, Michael retornava com os ônibus vazios para repetir a façanha!
O certo é, se Michael Gepp pudesse concorrer a qualquer cargo eletivo junto aquele povo, certamente seria imbatível, e veja que não é pouca gente, só de eleitores brasileiros são mais de dois mil registrados no Consulado. Tem até uma praça em homenagem ao ex-presidente José Sarney, inaugurada por ele em pessoa. Sultan Yaculb é uma parte distante do Brasil, de quem todos falam com saudades.
Mas, o prefeito que ficou pra trás e não falava português tratou de suprir essa grave lacuna perante aos seus munícipes, casou-se com uma gaúcha. É aquela história: o seguro morreu de velho.
E o Michael Daher, grande figura humana, é o nosso brasileiro das artes. Possuí um belo espaço cultural numa das mais chiques ruas de livrarias e restaurantes de Beirute, em Gemayzel. Ele é o grande incentivador das artes latino-americanas na região, principalmente, os cubanos.
Estivemos numa manhã na casa dele nas montanhas. Ele nos ofereceu umas maçãs, tiradas do seu jardim, pareciam favos de mel, tão gostosas como jamais provei. Espero um dia poder voltar ao Líbano e poder ficar algumas horas no pomar dele, em época de colheita, naturalmente.
Antes de terminar, gostaria de coração, agradecer e enviar um abraço fraterno ao nosso querido Cônsul-Geral Michael Gepp, a Bel, a Cris, ao Jorge, ao Abdallah, a Silvana, a Souhalia, a Ana Maria, a Frida, a Amal, a Geraldine, a Nadia, ao Jean, a Pamela e a Maria que tão importantes para que a minha estada no Líbano fosse de boas e muito boas lembranças.
Caso o destino permita, as Cartas do Oriente retornarão na segunda quinzena de janeiro próximo. Relataremos sobre a Jordânia, Síria e Istambul. Aproveito para desejar a todos um Feliz Natal e que o Ano de 2009 nos porte muitas coisas boas, edificantes, saúde e paz. Au revoir Liban!!!! Inch’allah!!!
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