VIDA DE CÃO NA CAATINGA
Ao assistir o documentário sobre a vida do homem sertanejo no sertão nordestino, um outro filme passava em minha cabeça. Um filme recheado de lembranças de uma cultura forte, de uma vida rústica, de um povo hospitaleiro. As imagens que guardo na memória do sertão de Pernambuco, na viagem que fiz em 2002, foram mais fortes e alegres do que da Praia de Boa Viagem, em Recife. Num certo momento, adentrando as entranhas daquela região seca e miserável, me senti no inferno de Dante, sem Isabel.
Sai de Recife, onde passava férias, para Petrolina em busca de parentes do meu pai que havia saído de Pernambuco em 1943, época da Segunda Guerra Mundial. Não conhecendo a cidade procurei ajuda de jornalistas que atuam na região. Numa emissora de rádio AM dei meu recado para o grande sertão e, com grata surpresa, o retorno aconteceu em menos de 30 minutos. Um primo morava na antiga casa do meu pai, na cidade de Santa Fé, distante a 90 quilômetros de Petrolina.
No caminho para Santa Fé percebe-se a mudança de vegetação. Não sabia que estava entrando de corpo e alma na terra da caatinga, um ambiente castigado pela falta de chuvas. Depois de duas horas de carro, a última parte do caminho foi percorrido numa carroça puxada por um cavalo velho e lento que teimava em continuar vivo. Foram nove quilômetros por uma estrada que, às suas margens, mais parecia uma pintura de horror. Tudo era diferente.
Durante os três dias que permaneci naquela região, pude vivenciar como o sertanejo é um bravo, um forte homem da terra, que não desiste nunca de ser brasileiro, menos ainda de abandonar o solo onde pisa. Ele sonha acordado com a chuva que não vem, mas não pensa que a vida é ingrata. Tem fé em Deus e faz dessa crença seu objetivo de existência.
É impressionante sentir o sertão por dentro. Dias de calmarias pesadas e noites frias. Quase tudo é espinho. Cortado por veredas e árvores retorcidas em desespero, o sertão não passa de monótonos caminhos ressequidos, de lagoas mortas, sol escaldante e a fome. No caminhar, as passadas levantam pequenas nuvens de poeira que nos dão a dimensão do isolamento e sofrimento daquele povo que sente orgulho de ser sertanejo.
Assim como o cacto mais resistente, o sertanejo foi feito para o sertão. Tem o pêlo, o corpo e a psicologia próprios para suportar o suplício da seca. Conhece profundamente a flora e fauna. Como os cactos, o mandacaru e toda natureza adaptada ao árido, o sertanejo sobrevive com muito pouco. Água é uma dádiva que vê de vez em quando. Com todas as adversidades, ainda ama o sertão. Desde pequeno convive com a imagem da morte. Sua grande vitória é chegar ao dia seguinte, comemorando o triunfo da vontade de viver.
Três dias foram o suficiente para entender e conhecer muita coisa. Desde as primeiras horas da manhã até as frias madrugadas, o sertanejo não reclama da vida. Ao cair da noite fazem uma roda de pessoas para conversar, contar histórias. De costume, cachaça e tabaco fazem parte da prosa.
O sertão é, por natureza, adverso ao homem que ali tenta viver. O sertanejo nordestino e sua terra eram e continuam sendo um só todo. Tirar a terra do sertanejo é matá-lo. Tirar o sertanejo da terra é condená-lo a uma existência tão diferente do que lhe é próprio e natural que chega a ser irreal.
O sertanejo não foge da terra seca exaurida pelo sol causticante da caatinga, não deixa o seu tão pobre e querido torrão natal. Ele planta, replanta e não perde as esperanças de um bom inverno. É forte e valente, mas que, chegada a hora de partir, esquece a sua rudeza nativa e se deixa levar pela emoção. É o caboclo que chora, quando se sente condenado a deixar o seu pedaço de chão.
O sertanejo é o caboclo da roça, homem simples e trabalhador, que acredita no canto agourento da acauã chamando a seca, no canto triste do vim-vim e na profecia do pássaro carão, que quando solta o seu canto é sinal de muita chuva no sertão. É o caboclo esquecido, de mãos grossas e calejadas e que traz o rosto marcado pela vida árdua do campo.
Nasceu na caatinga e dali não quer sair, porque para ele não existe lugar melhor. É ali que está enterrado o seu umbigo e é neste mesmo chão que ele quer morrer. Ser enterrado à sombra de um velho umbuzeiro, vestido de vaqueiro e com uma cruz de madeira amarrada com cipó, no meio da caatinga onde tanto trabalhou.
Varando a madrugada, estava eu balançando numa rede, ouvindo histórias do homem do sertão. Faziam questão de me contar detalhes de suas vidas, seus amores, suas desgraças e seus sonhos. O cansaço chegando, a rede balançando e aos poucos dominado por um leve sono, ouvindo distante o piar de uma coruja anunciando que a noite era dela. Sonhei, confesso que sonhei, com um sertão menos bruto, mais humano.
Sai de Recife, onde passava férias, para Petrolina em busca de parentes do meu pai que havia saído de Pernambuco em 1943, época da Segunda Guerra Mundial. Não conhecendo a cidade procurei ajuda de jornalistas que atuam na região. Numa emissora de rádio AM dei meu recado para o grande sertão e, com grata surpresa, o retorno aconteceu em menos de 30 minutos. Um primo morava na antiga casa do meu pai, na cidade de Santa Fé, distante a 90 quilômetros de Petrolina.
No caminho para Santa Fé percebe-se a mudança de vegetação. Não sabia que estava entrando de corpo e alma na terra da caatinga, um ambiente castigado pela falta de chuvas. Depois de duas horas de carro, a última parte do caminho foi percorrido numa carroça puxada por um cavalo velho e lento que teimava em continuar vivo. Foram nove quilômetros por uma estrada que, às suas margens, mais parecia uma pintura de horror. Tudo era diferente.
Durante os três dias que permaneci naquela região, pude vivenciar como o sertanejo é um bravo, um forte homem da terra, que não desiste nunca de ser brasileiro, menos ainda de abandonar o solo onde pisa. Ele sonha acordado com a chuva que não vem, mas não pensa que a vida é ingrata. Tem fé em Deus e faz dessa crença seu objetivo de existência.
É impressionante sentir o sertão por dentro. Dias de calmarias pesadas e noites frias. Quase tudo é espinho. Cortado por veredas e árvores retorcidas em desespero, o sertão não passa de monótonos caminhos ressequidos, de lagoas mortas, sol escaldante e a fome. No caminhar, as passadas levantam pequenas nuvens de poeira que nos dão a dimensão do isolamento e sofrimento daquele povo que sente orgulho de ser sertanejo.
Assim como o cacto mais resistente, o sertanejo foi feito para o sertão. Tem o pêlo, o corpo e a psicologia próprios para suportar o suplício da seca. Conhece profundamente a flora e fauna. Como os cactos, o mandacaru e toda natureza adaptada ao árido, o sertanejo sobrevive com muito pouco. Água é uma dádiva que vê de vez em quando. Com todas as adversidades, ainda ama o sertão. Desde pequeno convive com a imagem da morte. Sua grande vitória é chegar ao dia seguinte, comemorando o triunfo da vontade de viver.
Três dias foram o suficiente para entender e conhecer muita coisa. Desde as primeiras horas da manhã até as frias madrugadas, o sertanejo não reclama da vida. Ao cair da noite fazem uma roda de pessoas para conversar, contar histórias. De costume, cachaça e tabaco fazem parte da prosa.
O sertão é, por natureza, adverso ao homem que ali tenta viver. O sertanejo nordestino e sua terra eram e continuam sendo um só todo. Tirar a terra do sertanejo é matá-lo. Tirar o sertanejo da terra é condená-lo a uma existência tão diferente do que lhe é próprio e natural que chega a ser irreal.
O sertanejo não foge da terra seca exaurida pelo sol causticante da caatinga, não deixa o seu tão pobre e querido torrão natal. Ele planta, replanta e não perde as esperanças de um bom inverno. É forte e valente, mas que, chegada a hora de partir, esquece a sua rudeza nativa e se deixa levar pela emoção. É o caboclo que chora, quando se sente condenado a deixar o seu pedaço de chão.
O sertanejo é o caboclo da roça, homem simples e trabalhador, que acredita no canto agourento da acauã chamando a seca, no canto triste do vim-vim e na profecia do pássaro carão, que quando solta o seu canto é sinal de muita chuva no sertão. É o caboclo esquecido, de mãos grossas e calejadas e que traz o rosto marcado pela vida árdua do campo.
Nasceu na caatinga e dali não quer sair, porque para ele não existe lugar melhor. É ali que está enterrado o seu umbigo e é neste mesmo chão que ele quer morrer. Ser enterrado à sombra de um velho umbuzeiro, vestido de vaqueiro e com uma cruz de madeira amarrada com cipó, no meio da caatinga onde tanto trabalhou.
Varando a madrugada, estava eu balançando numa rede, ouvindo histórias do homem do sertão. Faziam questão de me contar detalhes de suas vidas, seus amores, suas desgraças e seus sonhos. O cansaço chegando, a rede balançando e aos poucos dominado por um leve sono, ouvindo distante o piar de uma coruja anunciando que a noite era dela. Sonhei, confesso que sonhei, com um sertão menos bruto, mais humano.
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