PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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terça-feira, agosto 15, 2006

ROCK DE FRONTEIRA

Texto: Carlos Eduardo Oliveira
Foto: Edison Caetano

Rock no Acre? À primeira vista, é algo que parece tão surreal quanto surfistas esperando por um bom swell nas praias do Piauí. Vitimado por um injusto apartheid sociocultural em relação ao resto da nação, o simpático estado que um dia já foi território boliviano acaba de ganhar sua chancela roqueira. Que o digam as recentes e elogiadas apresentações do quarteto Los Porongas, da capital Rio Branco, em festivais indies como o último MADA (Natal/RN) – no qual entraram desconhecidos e saíram como revelação do evento –, e também o Bananada (Goiânia/GO).

“O Los Porongas é a banda mais pronta da atual cena independente do país”, elogia Terence Machado, apresentador do programa Alto-Falante (Rede Minas), que viu os dois shows. “Eles têm um pé nos anos 90, mas ao mesmo tempo são ointentistas, têm poesias e ótimas letras. Mas são puro rock’n’roll, a guitarra lembra Radiohead, o show é muito redondo e a impressão é que já são profissionais”.

Para quem não esteve lá, a audição do EP Enquanto Uns Dormem, lançado meses atrás pelo selo Catraia Records (catraiarecords@gmail.com), conduz à (para usar a terminologia acreana do santo-daime) “miração”: estamos mesmo diante de uma das mais promissoras banda da atual safra. “Temos uma coisa a nosso favor: a baixa expectativa. Ninguém bota fé numa banda do Acre e isso é bom”, ri Diogo Soares, 24 anos, vocalista e principal compositor.

Com três anos de estrada, o quarteto (João Eduardo, guitarra; Márcio Magrão, baixo; e Jorge Anzol, bateria) filtra com excelência um leque de influências que resulta em rock, digamos, autoral, com letras acima da média, mas sem “cabecismos”; com “pegada”, mas sem abrir mão da melodia (artigo em falta na praça, aliás).

“Temos todas as influências que um cara que monta uma banda em Londres ou São Paulo tem: punk, pós-punk, Beatles, flower power, acid rock, trip hop, Muse, Radiohead, MPB. Mas o jeito que a gente lê isso é completamente diferente. Afinal, estamos numa cidade que cresceu em cima da floresta, de seringais e de rios amazônicos”, analisa o batera Anzol.

O próprio nome reforça a identidade: poronga é uma espécie de luminária à base de querosene que o seringueiro ainda hoje usa adaptada à cabeça para ter as mãos livres e ao mesmo tempo iluminar seus trabalhos nas primeiras horas do dia. E o “Los” remete aos eflúvios andinos das fronteiras com o Peru e a Bolívia.

Que ninguém espere, entretanto, pop com sotaque regional – caso do mangue beat nos anos 90, por exemplo. “A influência das raízes acreanas é conceitual, não musical. O que não podemos esquecer é que pode até ter cara de rock inglês, mas está sendo feito na Amazônia”, enfatiza Diogo, dono de registro musical vocal seguro e letras inspiradas.

“Antes de formar a banda, já escrevia poesia, influência da minha mãe. Ela lia (Pablo) Neruda e Clarice Lispector para mim e meus irmãos quando éramos crianças. Hoje, gosto de Thiago de Melo e da força lírica do Manuel Bandeira”, revela. “Mas uma vez um fotógrafo me disse que suas principais influências ‘fotográficas’ eram Jimi Hendrix e Dostoievski. Nunca entendi disso”.

Caso tipificado dos novos tempos virtuais em que o acesso à informação aniquila a exclusão, o Los Porongas produziu Enquanto Uns Dormem por conta própria – e ai reside outra virtude, já que a sonoridade do trabalho não passa despercebida. “Aqui no Acre faltam produtores e técnicos, então entramos no estúdio e gravamos intuitivamente, do jeito que achávamos que devia ser. Mas sabemos que podemos render bem mais nas mãos de um produtor”, diz Anzol.

Agora, em busca da devida “iluminação” para sua carreira, os Porongas vão morar em São Paulo. Antes, porém, finalizam em Brasília a gravação do primeiro álbum, pelo selo Senhor F, cuja produção é de Philippe “Plebe Rude” Seabra, que não economiza afagos ao quarteto. “Estou encantado com eles. Não adianta o disco ser bom se o show não pegar, se a banda não tiver faísca. O Los Porongas tem”.

Reportagem da revista Bizz, edição 204, agosto de 2006

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