PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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terça-feira, julho 01, 2008

REVOLUÇÃO CRIADORA

Jacob Levy Moreno

Esse texto está datado do ano de 1923 do século XX. Mas continua atual como nunca. Vale a pena ler e reler.
Jacob Levy Moreno (1889 -1974), o criador do Psicodrama, nasceu em 6 de maio de 1889, na cidade de Bucareste, na Romênia. Era de origem judaica. Sua família veio da península ibérica e radicou-se na Romênia na época da Inquisição.

A maior, mais longa, mais difícil e mais singular das guerras empreendidas pelo homem durante sua trajetória faz soar seu chamado. Não têm precedentes nem paralelos na história do universo. Não é uma guerra contra a natureza nem uma guerra contra outros animais, nem de uma raça humana, estado ou nação contra qualquer outra raça, estado ou nação. Tampouco é uma guerra de uma classe social contra outra classe social. É uma guerra do homem contra fantasmas, os fantasmas a que, não sem razão, se chamou os maiores construtores de conforto e civilização. São eles a máquina, a conserva cultural, o robô.

O ponto criticamente mais frágil no universo de hoje é a incapacidade do homem para competir com os artefatos mecânicos de algum outro modo que não seja através de forças externas: submissão, destruição real, revolução social. O problema de refazer o próprio homem e não só o seu meio ambiente tornar-se-á cada vez mais o problema fundamental, quanto mais as forças técnicas avançarem com êxito na realização da máquina, da conserva cultural e do robô; e, embora o desenvolvimento destas coisas ainda esteja longe de atingir seu auge, a situação final do homem e a sua sobrevivência podem ser nitidamente visualizadas, pelo menos de um modo teórico.

Surgiram duas formas de robô: uma como auxiliar do homem e construtora de sua civilização; a outra, uma ameaça à sua sobrevivência e destruidora do homem.

Em primeiro lugar, poder-se-á perguntar como é possível que um artefato mecânico se torne perigoso para o homem, seu criador? Seguindo a trajetória do homem através das várias fases da nossa civilização, encontramo-lo usando os mesmos métodos, na fabricação dos produtos culturais, que são empregados depois, e com menos atritos, pelos produtos de sua mente, os seus inventos técnicos. Esses métodos, com freqüência, equivaleram simplesmente a isto: negligenciar e abandonar o genuíno e excelso processo criador na própria alma, suprimir todos os momentos ativos, vivenciais, e esforçar-se por alcançar um objetivo imutável - a ilusão do produto acabado, perfeito, cuja suposta perfectibilidade foi uma desculpa por excelência para renunciar ao seu passado, para preferir um fenômeno à sua realidade total. Existe um motivo astuto nesse procedimento do homem, pois se apenas uma fase do processo criador é realmente boa e todas as outras são más, então essa fase escolhida que substitui o processo total, pode ser memorizada, conservada, eternizada, e proporciona conforto à alma do criador, assim como ordem à civilização de que ele é parte integrante.

Podemos observar essa estratégia em todas as tentativas culturais do homem; e ela pôde ludibriar os homens, ao considerarem-na respeitável e benéfica, enquanto o processo da revolução industrial não produziu uma conjuntura mundial sem precedentes. Enquanto o artefato mecânico não entrou em massa na situação econômica na forma de livros, gramofone e cinema sonoro, o homem não teve concorrência na execução de suas conservas. Uma vez que um grupo de atores tivesse ensaiado e assimilado uma peça à perfeição, esse grupo era o único proprietário da sua mercadoria especial, que era oferecida para venda. A única concorrência só podia vir de um outro grupo de homens. Uma vez que um grupo de músicos tivesse ensaiado e aperfeiçoado um certo número de composições musicais, eles eram os únicos possuidores e executantes desse produto. Eles ganhavam dinheiro mediante o processo de repetição. A introdução de engenhos culturais mudou completamente a situação. O homem já não era mais necessário para a repetição de seus produtos acabados. As máquinas faziam o trabalho igualmente bem e talvez ainda melhores que o homem, por um custo muito menor.

No início desse processo industrial, o homem tentou enfrentá-lo mediante uma ação agressiva. Recorde-se a destruição da biblioteca de Alexandria ou a condenação da letra rígida de Jesus de Nazaré e o evangelho do reino espiritual de Deus como remédio. Quanto mais a avalanche de fantasmas se avizinhava da Terra, mais o homem tentava outros meios de defesa. Inventou o socialismo e teve a esperança de que através da mudança do atual estado da produção e distribuição do trabalho e seus produtos, o artefato mecânico tornar-se-ia um auxiliar e uma comodidade ainda maior do que até agora.

Contudo, um ângulo do problema foi completamente esquecido.

Existe um modo, simples e claro, em que o homem pode lutar, não através de destruição nem como uma parte da engrenagem social mas como indivíduo e criador, ou como uma associação de criadores. Ele tem de encontrar uma estratégia de criação que escape à traição da conservação e a concorrência do robô. Essa estratégia é a prática do ato criador, o homem como um instrumento de criação que muda continuamente os seus produtos. A espontaneidade, enquanto método de transição, é tão antiga, evidentemente, quanto a própria humanidade. Mas, como foco de si mesma é o problema de hoje e de amanhã. Se uma fração de milésimo da energia que a humanidade desperdiçou na concepção e desenvolvimento de artefatos mecânicos fosse utilizada na promoção e aperfeiçoamento da nossa capacidade cultural, durante o próprio momento de criação, a humanidade não teria de temer qualquer possível recrudescimento da maquinaria nem as raças de robôs do futuro. O homem terá escapado, sem abandonar coisa alguma do que a civilização da máquina produziu, para o Jardim do Éden.

O Momento é a abertura pela qual o homem passará em seu caminho. E ainda que possa parecer paradoxal, o intelectual, o artista, seres que, desde o advento do socialismo e da psicanálise, se converteram em entidades duvidosas e foram condenados à morte, são e serão os primeiros portadores de uma revolução que, no fim, satisfará também o orgulho biológico do homem. As raças de homens que aderiram à produção conservada extinguir-se-ão. Assim, comprovar-se-á que a "sobrevivência do mais forte", de Darwin, é algo muito estreito. Será substituído pela sobrevivência do criador.

Essa guerra contra os fantasmas exige ação, não só da parte de indivíduos isolados e de pequenos grupos mas também das grandes massas humanas. Essa guerra - dentro de nós próprios - é a Revolução Criadora.

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