PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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quarta-feira, abril 04, 2007

FILHOS DO BOTO

As histórias do boto-cor-de-rosa retratadas pela novelista acreana Glória Perez na minissérie “Amazônia de Galvez a Chico Mendes”, muitas lembranças de minha infância vieram à tona. Minha infância foi vivida às margens do igarapé Judia que desemboca no rio Acre, no final do bairro 6 de Agosto. Quando o rio enchia, as águas do igarapé represavam propiciando ambiente perfeito para acasalamento dos botos da cor rosa e vermelhos. Os mais velhos, como meu pai, contavam estórias complicadas sobre os botos, entre elas, de que eles eram perigosos quando chamados de "cunhado".

Lenda pura. Na verdade, depois de muitos anos, descobri que os botos gostavam mesmo era de brincar com as pessoas e, claro, quando ouviam aos gritos o nome “cunhado”, para eles era um chamado para mais uma brincadeira dentro d`água. Os mais antigos, homens conhecedores de rios mais caudalosos da Amazônia, afirmavam que aquela demonstração agitada dos botos era um grande perigo. Canoas poderiam afundar e os provocadores ameaçados de morte por afogamento. A medida para amenizar a “situação de perigo” era fazer silêncio e fincar uma faca na proa do barco. Somente dessa forma os botos se sentiriam ameaçados e iriam embora.

Na Amazônia brasileira existem mil e uma histórias e lendas sobre botos. Nas comunidades ribeirinhas é comum encontrar crianças cujo pai é o boto. Isso porque a mãe solteira com medo de revelar o nome do homem que a engravidou, geralmente nos barrancos dos rios, afirmam que o filho é obra do boto. As moças eram orientadas pelos pais a não tomarem banho no rio, sozinhas, para não serem seduzidas pelos botos. Quanta ingenuidade. Era exatamente o que elas queriam. Pular a cerca com homens que lhes davam bugigangas de presentes e depois colocar a culpa da gravidez no lendário boto.

Segundo as crendices populares da Amazônia, quando os ribeirinhos promovem festas nos barracões próximos do rio, o boto, vestido com roupa branca, impecável e de chapéu na cabeça, mistura-se entre os homens. Ostenta elegância, educação e demonstra habilidade na dança, atraindo os olhares das mulheres que imediatamente ficam encantadas por ele. O boto escolhe a dama com a qual dançará por toda a noite, enquanto os homens lançam olhares de inveja e de ciúmes. Essa dama é sempre a moça mais linda e a mais cobiçada do baile.

Quase sempre a dançarina enamora-se do lindo jovem e sai com o boto, ao relento, para passear debaixo das árvores. Meses após o baile a moça ainda encantada e saudosa dos carinhos do “homem” mais galante que conheceu, apresenta os primeiros sinais de gravidez não planejada. Ela não tem dúvida: “foi o boto”. Ao registrar o filho a mãe solteira informa com orgulho que “o pai da criança é o boto”.

As histórias são infindáveis. Contam os mais velhos que os órgãos sexuais, sejam do boto macho ou fêmea, são muito utilizados em feitiçarias, visando a conquista ou domínio do ente amado. Porém o mais utilizado mesmo é o olho de boto, considerado amuleto dos mais fortes na arte do amor. Dizem que segurando na mão um amuleto feito de olho de boto, tem que ter cuidado para olhar pois o efeito é fulminante: pode atrair até mesmo pessoas do mesmo sexo que ficarão apaixonadas pelo possuidor do olho de boto, sendo difícil desfazer o efeito.

A partir de agora, as mulheres já sabem do perigo que correm quando forem tomar banho em rios e igarapés da Amazônia. Podem, num piscar de olhos, ficarem grávidas de um boto. A Delzuite, da Minissérie Amazônia, que conte essa história.

1 Comments:

Blogger Anna Angélica Lima Feitosa Burns said...

Sou sua fã como pessoa e como profissional. Li algumas de suas matérias, mas nada toca-me mais ao ouvi-lo ou ler seus escritos sobre sua terra natal.
Amei ler um pouco mais sobre a estória do boto.

7:47 AM  

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