ENCONTRO COM JOÃO DONATO
Encontrei no sábado, 26 de abril, em Pirenópolis, interior de Goiás, o renomado compositor acreano, João Donato, uma das atrações do primeiro festival de Jaz da cidade. O I PiriJazz teve na noite anterior a cantora Rosa Passos.
Como conterrâneo, claro que puxei uma boa conversa antes da apresentação no Teatro Pirineus. O teatro, por sinal, ficou lotado com muita gente do lado de fora.
Na conversa perguntei a ele porque nunca havia feito um show em Rio Branco. Donato foi enfático: nunca me convidaram. Fica aqui a dica para convidar o João e seu piano para lotar qualquer casa de espetáculo do Acre.
João Donato de Oliveira Neto nasceu em Rio Branco, capital do Acre, no dia 17 de agosto em 1934. Seu pai, também chamado João Donato, era piloto de avião e nas horas vagas executava vôos domésticos sobre o bandolim. A mãe cantava e a irmã mais velha, Eneyda, estudava para ser concertista de piano. O caçula, Lysias, pendeu para as letras e acabaria se tornando o principal parceiro nas composições do irmão.
O primeiro instrumento de João foi o acordeom, no qual, aos oito anos, compôs sua primeira música, a valsa “Nini”. Antes de completar 12 anos, o pai presenteou-lhe com acordeons de 24 e 120 baixos. Em 1945, Donato pai é transferido, e a família tem de deixar Rio Branco rumo ao Rio de Janeiro.
Começo do caminhar pra beira de outro lugar. Em pouco tempo, o circuito musical passava a ser o das festas de colégios da Tijuca e adjacências. Tentou a sorte no programa de Ary Barroso. Intransigente, Ary rodou o tabuleiro da baiana e sequer quis escutá-lo, sob a alegação de que “não gostava de meninos-prodígio”. Sorte que havia ouvidos mais atentos.
Ao profissionalizar-se, em 1949, aos 15 anos, Donato ostentava no currículo as mitológicas jam-sessions realizadas na casa do cantor Dick Farney e no Sinatra-Farney Fã Club, do qual era membro. Johnny Alf, Nora Ney, Dóris Monteiro, Paulo Moura e até Jô Soares, no bongô, estavam entre os componentes destas vitaminadas jams.
Na primeira gravação em que participa, como integrante da banda do flautista Altamiro Carrilho, Donato toca acordeon nas duas faixas do 78 RPM: “Brejeiro”, de Ernesto Nazareth, e “Feliz aniversário”, do próprio Altamiro. Pouco depois, migra para o grupo do violinista Fafá Lemos, como suplente de Chiquinho do Acordeom.
A partir de 1953, agora como pianista, Donato passa a comandar suas próprias formações instrumentais,– Donato e seu Conjunto, Donato Trio, o grupo Os Namorados – com quem lança, em 78 RPM, versões instrumentais para standards da música americana (como “Tenderly”, sucesso de Nat King Cole) e brasileira (como “Se acaso você chegasse, do sambista gaúcho Lupicínio Rodrigues).
Três anos depois, a Odeon escala um iniciante para fazer a direção musical de “Chá Dançante” (1956), primeiro LP de Donato e seu conjunto. Um certo Antonio Carlos - que depois virou nome de aeroporto – pilotaria o disco do filho do aviador. O repertório escolhido por Tom Jobim era mesmo para decolar em qualquer baile de debutante: “No rancho fundo” (Lamartine Babo – Ary Barroso), “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro), “Baião” (Luiz Gonzaga – Humberto), “Peguei um ita no norte” (Dorival Caymmi).
Em seguida, Donato passa uma temporada de dois anos em São Paulo. Quando volta ao Rio, a Bossa Nova estava deflagrada. O próprio João Gilberto revelou por aí que tirara a batida de violão revolucionária ao ver Donato tocar piano. Naquele mesmo 1958, grava “Minha saudade” e “Mambinho”, parcerias entre Joões Donato e Gilberto.
A convite de Nanai (ex integrante do grupo Os Namorados) parte para uma temporada de seis semanas em um cassino Lake Tahoe (Nevada) Donato relativizou a influência do Jazz, comungou a música do Caribe como integrante das orquestras de Mongo Santamaría, Johnny Martinez, Cal Tjader e Tito Puente. E até excursionou com João Gilberto pela Europa.
1962, hora de regressar ao Brasil. Ao menos no tempo justo de conceber dois clássicos sempre em voga da música instrumental brasileira – “Muito à vontade” (1962) e “A Bossa muito moderna de João Donato” (1963), ambos pela Polydor, relançados no começo dos anos 2000 em CD pela Dubas. É Donato ao piano, Milton Banana na bateria, Tião Neto no baixo e Amaury Rodrigues, na percussão.
Sobre “Muito à vontade”, o jornalista Ruy Castro escreveu, por ocasião de seu relançamento em CD: “foi o seu primeiro disco ao piano e o primeiro mesmo para valer, com nove de suas composições entre as 12 faixas (...). Donato, que estava morando nos Estados Unidos durante a explosão da Bossa Nova, era uma lenda entre os músicos mais novos - para alguns, pelas histórias que ouviam, ele devia ser algo assim como o curupira ou a cobra d'água. Este disco abriu-lhes novos horizontes e devolveu Donato a um movimento que ele, sem saber, ajudara a construir”. Estão lá “Muito à vontade”, “Minha saudade”, “Sambou, sambou”, “Jodel”.
“A Bossa muito moderna” introduz mais alguns temas originalmente instrumentais que, muitos anos depois, se tornariam obrigatórios em qualquer cancioneiro da MPB. Entre elas “Índio perdido”, que viraria “Lugar comum”, ao receber letra de Gilberto Gil. Gil também é parceiro nos versos que transformariam “Villa Grazia” em “Bananeira”. Já “Silk Stop” é o tema original sobre o qual Martinho da Vila escreveria “Gaiolas Abertas”. A influência da música cubana é evidente em “Bluchanga”, dos tempos em que Donato tocava com Mongo Santamaría.
Arruma a pianola e volta para os EUA. Desta vez, a temporada se estenderia por quase uma década. Trabalhou com Nelson Riddle, Herbie Mann, Chet Baker, Cal Tjader, Bud Shank, Armando Peraza, etc. Formou, ao lado de João Gilberto, Jobim, Moacir Santos, Eumir Deodato, Sergio Mendes e Astrud Gilberto, o time dos que tornaram o Brasil de fato reconhecido internacionalmente por sua música.
Como conterrâneo, claro que puxei uma boa conversa antes da apresentação no Teatro Pirineus. O teatro, por sinal, ficou lotado com muita gente do lado de fora.
Na conversa perguntei a ele porque nunca havia feito um show em Rio Branco. Donato foi enfático: nunca me convidaram. Fica aqui a dica para convidar o João e seu piano para lotar qualquer casa de espetáculo do Acre.
João Donato de Oliveira Neto nasceu em Rio Branco, capital do Acre, no dia 17 de agosto em 1934. Seu pai, também chamado João Donato, era piloto de avião e nas horas vagas executava vôos domésticos sobre o bandolim. A mãe cantava e a irmã mais velha, Eneyda, estudava para ser concertista de piano. O caçula, Lysias, pendeu para as letras e acabaria se tornando o principal parceiro nas composições do irmão.
O primeiro instrumento de João foi o acordeom, no qual, aos oito anos, compôs sua primeira música, a valsa “Nini”. Antes de completar 12 anos, o pai presenteou-lhe com acordeons de 24 e 120 baixos. Em 1945, Donato pai é transferido, e a família tem de deixar Rio Branco rumo ao Rio de Janeiro.
Começo do caminhar pra beira de outro lugar. Em pouco tempo, o circuito musical passava a ser o das festas de colégios da Tijuca e adjacências. Tentou a sorte no programa de Ary Barroso. Intransigente, Ary rodou o tabuleiro da baiana e sequer quis escutá-lo, sob a alegação de que “não gostava de meninos-prodígio”. Sorte que havia ouvidos mais atentos.
Ao profissionalizar-se, em 1949, aos 15 anos, Donato ostentava no currículo as mitológicas jam-sessions realizadas na casa do cantor Dick Farney e no Sinatra-Farney Fã Club, do qual era membro. Johnny Alf, Nora Ney, Dóris Monteiro, Paulo Moura e até Jô Soares, no bongô, estavam entre os componentes destas vitaminadas jams.
Na primeira gravação em que participa, como integrante da banda do flautista Altamiro Carrilho, Donato toca acordeon nas duas faixas do 78 RPM: “Brejeiro”, de Ernesto Nazareth, e “Feliz aniversário”, do próprio Altamiro. Pouco depois, migra para o grupo do violinista Fafá Lemos, como suplente de Chiquinho do Acordeom.
A partir de 1953, agora como pianista, Donato passa a comandar suas próprias formações instrumentais,– Donato e seu Conjunto, Donato Trio, o grupo Os Namorados – com quem lança, em 78 RPM, versões instrumentais para standards da música americana (como “Tenderly”, sucesso de Nat King Cole) e brasileira (como “Se acaso você chegasse, do sambista gaúcho Lupicínio Rodrigues).
Três anos depois, a Odeon escala um iniciante para fazer a direção musical de “Chá Dançante” (1956), primeiro LP de Donato e seu conjunto. Um certo Antonio Carlos - que depois virou nome de aeroporto – pilotaria o disco do filho do aviador. O repertório escolhido por Tom Jobim era mesmo para decolar em qualquer baile de debutante: “No rancho fundo” (Lamartine Babo – Ary Barroso), “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro), “Baião” (Luiz Gonzaga – Humberto), “Peguei um ita no norte” (Dorival Caymmi).
Em seguida, Donato passa uma temporada de dois anos em São Paulo. Quando volta ao Rio, a Bossa Nova estava deflagrada. O próprio João Gilberto revelou por aí que tirara a batida de violão revolucionária ao ver Donato tocar piano. Naquele mesmo 1958, grava “Minha saudade” e “Mambinho”, parcerias entre Joões Donato e Gilberto.
A convite de Nanai (ex integrante do grupo Os Namorados) parte para uma temporada de seis semanas em um cassino Lake Tahoe (Nevada) Donato relativizou a influência do Jazz, comungou a música do Caribe como integrante das orquestras de Mongo Santamaría, Johnny Martinez, Cal Tjader e Tito Puente. E até excursionou com João Gilberto pela Europa.
1962, hora de regressar ao Brasil. Ao menos no tempo justo de conceber dois clássicos sempre em voga da música instrumental brasileira – “Muito à vontade” (1962) e “A Bossa muito moderna de João Donato” (1963), ambos pela Polydor, relançados no começo dos anos 2000 em CD pela Dubas. É Donato ao piano, Milton Banana na bateria, Tião Neto no baixo e Amaury Rodrigues, na percussão.
Sobre “Muito à vontade”, o jornalista Ruy Castro escreveu, por ocasião de seu relançamento em CD: “foi o seu primeiro disco ao piano e o primeiro mesmo para valer, com nove de suas composições entre as 12 faixas (...). Donato, que estava morando nos Estados Unidos durante a explosão da Bossa Nova, era uma lenda entre os músicos mais novos - para alguns, pelas histórias que ouviam, ele devia ser algo assim como o curupira ou a cobra d'água. Este disco abriu-lhes novos horizontes e devolveu Donato a um movimento que ele, sem saber, ajudara a construir”. Estão lá “Muito à vontade”, “Minha saudade”, “Sambou, sambou”, “Jodel”.
“A Bossa muito moderna” introduz mais alguns temas originalmente instrumentais que, muitos anos depois, se tornariam obrigatórios em qualquer cancioneiro da MPB. Entre elas “Índio perdido”, que viraria “Lugar comum”, ao receber letra de Gilberto Gil. Gil também é parceiro nos versos que transformariam “Villa Grazia” em “Bananeira”. Já “Silk Stop” é o tema original sobre o qual Martinho da Vila escreveria “Gaiolas Abertas”. A influência da música cubana é evidente em “Bluchanga”, dos tempos em que Donato tocava com Mongo Santamaría.
Arruma a pianola e volta para os EUA. Desta vez, a temporada se estenderia por quase uma década. Trabalhou com Nelson Riddle, Herbie Mann, Chet Baker, Cal Tjader, Bud Shank, Armando Peraza, etc. Formou, ao lado de João Gilberto, Jobim, Moacir Santos, Eumir Deodato, Sergio Mendes e Astrud Gilberto, o time dos que tornaram o Brasil de fato reconhecido internacionalmente por sua música.
Marcadores: Jazz, João Donato, Pirenopólis
2 Comments:
Grande Pitter!
É realmente uma grande felicidade e um privilégio ímpar encontar esse nosso conterrâneo, que, merecidamente, é tão decantado no Brasil e no Exterior.
Há algum tempo, também, tive o prazer em estar com ele, no Clube do Choro em Brasília. Ocasião em que ele me autografou um de seus maravilhos CD's, gravado nos EUA.
Engraçado! Fiz-lhe a mesma pergunta e a resposta foi igual à tua.
Confesso-te que fique envergonhado por até hoje o povo da nossa terra não ter tido a benção em ouví-lo. E penso, que governantes temos? Eles querem mudar o mundo, mas teimam em imitar a avestruz!
Forte abraço, com uma pitada de inveja por não ter ído a Pirenópolis!
Meu Amigo,
Quando Diretor do Sesc cheguei a prometer para a Fátima 15 dias de licença caso sucesso em trazer o João Donato a Rio Branco. Usamos até o Carlinhos Lyra para isso. Nada feito. Carlos Lyra contou então uma história sobre um encontro dos dois. Foi em uma feira livre em Ipanema. Donato disse que Domingo iria no Apartamento do Lyra para uma conversa. Domingo passou e nada. Dias depois Donato encontra o Carlinhos na rua e reclama de ter ido ao apartamento e não ter ninguém em casa no tal Domingo. Lyra responde que ficou em casa. Caso tivesse saído a Kate estava em casa. A Kate saindo ainda tinha a Empregada. E Ninguém viu o João. Este respondeu em voz alta: Será então que eu não fui ??!!!!!?????.
Esse é o João Donato.
Abraços,
Luis Celso
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